O Verbo Jurídico é um sítio de construção dialéctica de ideias, ainda que para a mesma concorram debates com intérpretes díspares e concepções diferentes. Nessa senda, continuamos a publicar artigos que nos são remetidos pelos leitores, pelo seu especial relevo na informação e formação de cidadania. É o caso do artigo que se agora se publica...

"OE2006 - TÃO MEXENDO NO MEU BOLSO"
ARTIGO DE OPINIÃO DE DR. ANTÓNIO FERREIRA RAMOS
ADVOGADO.

Muito se tem falado na política de contenção das despesas públicas e nas medidas impopulares que este Governo tem tomado para realizar esse esforço de contenção do défice orçamental.
Muito se tem falado (e escrito) sobre as forças corporativistas que, agarradas aos seus privilégios, têm se oposto ao Governo na tentativa vã de manter os seus privilégios.
Muito se tem falado no aumento dos impostos, no aumento das receitas e na necessidade de uma reforma geral e profunda do próprio Estado.
Ora, como contribuinte que somos, e tendo em conta que a luta ao défice orçamental deverá começar na despesa, decidimos, de forma amadora e ligeira, confessamos, dar uma vista de olhos nos números do Orçamento de Estado para 2006, para, tendo em conta as despesas previstas, termos uma melhor consciência do teor dos problemas supra referenciados. Afinal, informação é cidadania e nada melhor que ir aos sítios oficiais para obter este tipo de informação (cfr. link).
Realizado esta breve introdução, permitam-me fazer algumas ressalvas.
A primeira tem a haver com a qualidade com que iremos expor as nossas opiniões.
Serão opiniões, como acima referimos, de um leigo, armado com bom-senso que, sem conhecimentos técnicos relevantes, pensa pela sua cabeça e coloca dúvidas.
A segunda ressalva tem a haver, exactamente, com as dúvidas que tais números assolam no nosso espírito.
De facto, o OE é um documento que a todos afecta, principalmente os contribuintes cumpridores das suas obrigações fiscais, razão pela qual, é da maior justeza que os contribuintes coloquem questões sobre a forma como o Estado gasta o seu dinheiro e é obrigação do Governo explicar, de forma clara e inequívoca, qual a natureza e a justeza de certas despesas orçamentadas. Este é o motivo pelo qual nos arrogamos do direito de questionar o valor previsto para certas despesas e exigir ao Governo a informação necessária.
Tomados os caldos de galinha necessários para evitar quaisquer represálias de índole jurídico-criminal, permitam-me que aconselhe a todos os cidadãos livre pensadores uma breve, mas atenta, passagem de olhos pelo Mapas do OE de 2006 (publicado no sitio da Direcção Geral do Orçamento) mais propriamente, o Mapa II, que diz respeito às Despesas dos Serviços Integrados, por classificação orgânica (cfr. link). E é neste mapa que começam as nossas dúvidas.
Olhando logo para a primeira rubrica, designada por ENGARGOS GERAIS DO ESTADO, podemos ver que, para a Presidência da República estão orçamentados € 14.124.500,00. Este órgão de soberania é, de facto, algo caro aos portugueses..Mas, o que é este valor comparado com aquilo que os GABINETES dos Ministros da Republica, representantes do Estado nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores (vide art. 230.º/1 da CRP), têm para si orçamentado? De facto, os €: 205.855.536,00 e 211.159.776,00 respectivamente, significam que os gabinetes destes representantes do Estado têm, cumulativamente, um orçamento largamente superior ao previsto para os SERVIÇOS DE INVESTIGAÇÃO, PRISIONAIS E DE REINSERÇÃO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (€: 317.881.556,00) ou têm um valor equivalente à importância orçamentada para a totalidade dos ÓRGÃOS E SERVIÇOS DO SISTEMA JUDICIÁRIO E REGISTO deste mesmo Ministério.
E mais: os representantes do Estado nas Regiões Autónomas têm, no seu conjunto, um orçamento superior ao orçamento de todo o Ministério dos Negócios Estrangeiros (€: 335.666.338,00), ou seja, tais representantes do Estado são mais caros ao Tesouro Público que todos os Embaixadores e Cônsules de Portugal que representam o Estado português no Estrangeiro…Como dizem os mais novos, dahhhhh!!!! Ninguém acha isto anormal?
Perante tais números, ingenuamente perguntamos:
1. O que justifica que os Gabinetes dos Ministros da Repúblicas nas regiões autónomas tenha um orçamento idêntico ao valor disponibilizado para todos os tribunais em Portugal?
2. Quais as competências destas entidades que justificam tamanho investimento?
3. Qual o retorno de tal despesa?
4. O Ministério da Justiça não paga honorários de intervenções realizadas por Advogados em todo o país por, alegadamente não ter verba, e os Gabinetes dos Ministros da República têm um orçamento desta envergadura? Mas, que raio de opções são estas?
5. O que justifica tamanho investimento nos representantes do Estado nas regiões autónomas, largamente superior ao orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que tem que suportar embaixadas e consulados em todo o mundo?
Mas há mais, óh se há….Permitam-me os cidadãos livres e independentes pensadores, que lhes chame a atenção para o valor orçamentado para os SERVIÇOS DE APOIO, ESTUDOS E COORDENAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS: €: 2.694.539.529,00. Confesso que, quando vi este número, pensei que fosse um erro ou uma enorme brincadeira de mau gosto. No entanto, não deixa de ser significativo de que a soma de todas as parcelas prevista nos ENCARGOS GERAIS DO ESTADO acabem por dar este valor por certo.
Agora, e sem analisar os restantes itens, perguntamos:
1. Mas [o que] fazem estes serviços de apoio ao Conselho de Ministros para terem orçamentado para um ano, quase o valor da construção do aeroporto da OTA?
2. Qual a riqueza que este organismo do Estado cria anualmente para justificar a atribuição de tal faraónica verba?
3. Como é possível que um gabinete de apoio ao Conselho de Ministros possa ter um orçamento equivalente à soma do orçamento previsto para a JUSTIÇA e DEFESA NACIONAL?3. Então, nós pagamos impostos para sustentar […] tecnocratas que fazem estudos e dão apoio ao Conselho de Ministros ou pagamos impostos para ter Saúde, Justiça, Segurança, etc.?
4. Será que não haveria uma empresa privada que realizasse os mesmos serviços por um décimo do valor? E que serviços serão estes?
5. Que país (rico) é este em que o valor orçamentado para a CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR é, no seu conjunto (€: 1.531.793.381,00), escandalosamente inferior ao previsto para os SERVIÇOS DE APOIO, ESTUDOS E COORDENAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS? Isto já para nem comparar com a verba prevista para a CULTURA, uns “míseros” €: 189.705.371,00) …Deixo um desafio, a todos aqueles que nos honram ao ler estas linhas, para analisarem esse mapa com atenção…comparem umas despesas com outras, pois certamente chegarão a brilhantes “pérolas”.
Quanto a nós, para além destas nossas “descobertas” existe algo que nos preocupa profundamente e que não vem no OE de 2006. Referimo-nos, pois claro, ao SILÊNCIO.
Em primeiro lugar, silêncio da Oposição, que deveria pedir contas ao Governo dos motivos para que estas verbas estão atribuídas e que só se preocupa em arranjar argumentos que, na nossa opinião e perante estes números, são areia para os olhos dos portugueses. NENHUM partido político, nenhuma bancada parlamente, nenhum deputado, teve o bom-senso de olhar para estes números e perguntar porque os Serviços de Apoio do Conselho de Ministros tem direito a dois MIL milhões e seiscentos milhões de euros para gastar num ano. Daqui se retira que:
Ou não viram;
Ou não quiseram ver;
Ou viram e acharam normal.
Qualquer destas hipóteses é inaceitável pois, como representantes do Povo, os deputados deveriam de fazer as perguntas necessárias para esclarecer…o Povo. Senão, para que precisamos de gastar €: 80.000.000,00/ano na Assembleia da República?
Em segundo lugar, silêncio dos órgãos de comunicação social. Não deixa de ser significativo que determinadas notícias, como as nomeações do Ministro da Justiça para a manutenção do site deste Ministério não tenham qualquer destaque na imprensa, apesar de causarem grande efervescência nos inter nautas de todo o país.
Exactamente por existirem esses “silêncios”, pergunta-se: não haverá um editor de economia, um cronista, um brilhante comentador político, uma qualquer alma jornalista que se sinta indignado com os números acima referidos e coloque dúvidas e exija as necessárias explicações? Ou todos os jornalistas e cronistas em Portugal considerarão normal que os representantes do Estado nas Regiões Autónomas recebem mais de quatrocentos milhões de euros/ano? Será que apenas os ignorantes é que se sentem revoltados com tais aberrações? Ou haverá para aqui um qualquer “pacto de silêncio”?.
Esperamos, sinceramente, que todas estas verbas orçamentadas sejam um erro claro e inequívoco. Porque se não forem, teremos muitas resistências em nos mantermos cumpridores zelosos das nossas obrigações fiscais. Pagamos os nossos impostos para serem bem geridos, não para serem gastos em serviços de apoio, de estudos e afins. E quando vemos que uma grande fatia da despesa do Estado vai para os Ministros da República ou para os Serviços de Apoio do Conselho de Ministros (esta, por muito que queira, não me passa na goela), sentimo-nos como Jô Soares sabiamente descrevia: “TÃO MEXENDO NO MEU BOLSO!!!”.
O Cidadão
António Ferreira Ramos.
In
Verbo Jurídico Blog
Acordam os membros do Kolectivo que a seguinte matéria é digna de apreciação e crítica:
1º. Com a data de 4 de Junho de 1988, foi proferido pelo Secretário Adjunto para a Administração e Justiça, no uso da delegação de competência conferida pela Portaria n.° 141/87/M, de 7 de Novembro, o Despacho n.º 15/SAAJ/88, a seguir reproduzido:
«Considerando que o licenciado Alberto Bernardes Costa, director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, interveio junto do M.mo Juiz de instrução criminal Dr. José Manuel Celeiro Patrocínio, a quem fora distribuído o processo crime, em fase de instrução preparatória, instaurado contra os administradores da TDM-E. P: /S. A. R. L., detidos com prisão preventiva sem culpa formada na Cadeia Central de Macau, no sentido de o elucidar sobre os aspectos técnico-jurídicos e económicos do caso, e esclarecimentos que, em seu entender justificariam uma revisão da sua decisão ou decisões sobre a situação prisional dos arguidos e, eventualmente a sua cessação e subsequente soltura;
Considerando que o director do Gabinete dos Assuntos de Justiça intencionalmente manteve a respectiva tutela no total desconhecimento daquela sua iniciativa e dos respectivos resultados, os quais estiveram na origem de uma participação apresentada por aquele Mmo Juiz;
Considerando que o referido comportamento do – licenciado Alberto Bernardes Costa, independentemente da valoração disciplinar que pudesse vir a merecer, manifestamente afastada de modo grave a confiança pessoal; profissional e política da tutela no mesmo, não podendo deixar de afectar o prestígio e dignidade da Administração;
Considerando, por fim, as responsabilidades do cargo, que impõem o seu exercício com total isenção e lealdade;
Nestes termos determino:
No uso da delegação de competência conferida pela Portaria n.º 141/87/M de 7 de Novembro, e ao abrigo do disposto no n. 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n. 88/84/M, de 11 de Agosto, exonero o licenciado Alberto Bernardes Costa do cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, com efeitos imediatos.»;
2º. A fonte deste despacho é a transcrição que o próprio demitido faz dele em recurso
aqui integralmente transposto e que consta da base de dados dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 1991, cujo sumário se encontra aqui disponível;
3º. O recurso apresentado, ao qual foi concedido provimento, recorre da forma de fundamentação do despacho de exoneração, nada esclarecendo quanto aos factos que estão por detrás do próprio despacho;4º. Esses factos, que constam do relatório do inquérito subsquente, datado de 21 de Maio de 1988, são resumidamente os seguintes:
a) O demitido, no exercício das suas funções, abordou por duas vezes o juiz a quem foi distribuído um processo crime em fase de instrução preparatória com detidos em prisão preventiva;
b) Da primeira vez para obter informações relativamente ao referido processo;
c) Da segunda para procurar convencer o juiz a alterar a posição assumida no processo relativamente à situação de prisão preventiva dos arguidos;
d) O juiz considerou estas abordagens como indevida interferência e pressão na sua função judicial e comunicou o facto ao Secretário Adjunto para a Administração e Justiça;
e) No inquérito o demitido assumiu os factos mas arguiu ter agido por iniciativa própria, na qualidade de cidadão, e não nas funções oficiais, em defesa do bom nome de Portugal, etc.;
f) Por essa razão o relator, sublinhando embora a gravidade dos factos comunicados, considera que aquelas atenuantes retiram, a seu ver, coloratura disciplinar significativa à impropriedade das intervenções;
g) Face às conclusões propõe o arquivamento dos autos;
5º. As páginas relevantes do relatório de inquérito são aqui reproduzidas:
- Página inicial
- Antepenúltima página
- Penúltima página
- Última página
6º. Em 4 de Junho de 1988 o Governador de Macau exarou nos autos de inquérito o seguinte despacho:
«Tendo em conta os factos descritos no presente relatório, bem como os conclusões do Ex.mo Sr. Inquiridor, concordo que os mesmos não justificam procedimento disciplinar, quer quanto ao Dr. António Lamego, quer quanto ao Dr. Alberto Costa, pelo que determino que os presentes autos de inquérito seja arquivados»
7º. O despacho anterior, citado fora do contexto, não evidencia a gravidade dos factos: suficiente para justificar o procedimento disciplinar, pela tentativa de coagir um juiz, caso o arguido não tivesse invocado a presunção de ter agido por iniciativa pessoal, como cidadão, em defesa do bom nome de Portugal, etc., e não nas funções oficiais;
8º. Ainda assim, perante o despacho da exoneração e pelo que se apura do relatório de inquérito, não fica dúvida quanto à real gravidade dos factos: suficiente para motivar a exoneração imediata;
9º. O processo crime em causa não era de menor importância, mas antes um de grande visibilidade e impacto onde foram arguidos personagens importantes, certamente capazes de moverem influências igualmente importantes;
10º. É no mínimo ingénuidade acreditar-se que o demitido pensasse que se podia dissociar das suas funções oficiais de Director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, precisamente quando seria o peso desse mesmo cargo, e não a condição de simples cidadão, que lhe poderiam servir de mais valia nas suas pretensões;
11º. Estranha-se que o demitido achasse que podia elucidar um juiz sobre aspectos técnico-jurídicos e económicos de um caso a este distribuído. Mais ainda, pretender que esses esclarecimentos, em seu entender justificariam a revisão da decisão ou decisões desse juiz sobre a situação prisional de arguidos e, eventualmente, a sua cessação e subsquente soltura. Pretensão de esclarecimento essa que se aproximou muito, a ponto de ter confundido o próprio juiz objecto da pretensão, de uma eventual tentativa de interferência e pressão na sua função judicial, pelo que subsquentemente o juiz dela participou;
12º. Fica provado que o comportamento do demitido afectou de modo grave a confiança pessoal, profissional e política da tutela no mesmo, e que esse comportamento não pôde deixar de afectar o prestígio e dignidade da Administração;
13º. Também fica provado que o então Secretário Adjunto para a Administração e Justiça, José António Barreiros, considerou que as responsabilidades do cargo do demitido impunham o seu exercício com total isenção e lealdade, o que não estava a acontecer, e que portanto, independentemente da valoração disciplinar que o comportamento em causa pudesse vir a merecer, se justificava a sua exoneração imediata;
Crítica: Isto não não boatos, são factos:
- Ainda que o inquérito tenha sido arquivado, o Sr Alberto admitiu efectivamente ter tentado manipular a opinião de um juiz no exercício das suas funções;
- Mesmo que para isso se tenha escudado no "a bem da Nação" e preparado cuidadosamente o cenário para se safar no caso da coação dar para o torto.
O Sr Alberto desmentiu várias vezes a importância deste processo, classificando-o como um "equívoco" (grande equívoco). Na sua biografia/CV omite o cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça em Macau (mais um equívoco).
Agora, que é Ministro, desencadeia uma guerra surda contra o sector que tutela e a classe que o "equívocou". É a vingança do chinês...
Coincidências ou equívocos?
Demita-se Sr Alberto!
Está à espera de quê, do próximo 10 de Junho?
in
Kolectivo
Vale apena ler. Esta história está contada na primeira pessoa. Não hajam ilusões, as conclusões do acordão referem única e exclusivamente «vício de forma, por falta de fundamentação», mas relevante é o facto que leva ao primeiro despacho de exoneração, este provavelmente suficientemente fundamentado. Contudo, este despacho veio a ser revogado pelo então Governador de Macau (Carlos Melancia), mantendo a exoneração, mas alterando - ou praticamente eliminando-a - completamente a fundamentação. Que conveniente!?

O acordão encontra-se na integra no blog do Verbo Jurídico (link).
Ulpianus, notável jurisconsulto romano, refere três princípios jurídicos fundamentais que evidenciam a unidade entre os campos do direito, da moral e da religião:
- Honeste vivere (viver honestamente);
- Alterum non laedere (não prejudicar os outros);
- Suum cuique tribuere (atribuir a cada um o que é seu).
Qualquer aproximação destes princípios com o actual executivo é pura coincidência.
Escuso-me de tecer qualquer comentário aos dois primeiros, não vá ser indelicado ou injusto com o Governo!?
Quanto ao terceiro apenas um mini comentário: Atribuir, na verdadeira essência, a independência consagrada constitucionalmente aos Tribunais.
Por vezes, não há melhor que recordar, como se fazia justiça antes de cristo, para iluminar o nosso atraso político-legislativo.
Começou às 0:00 horas de hoje a mega greve no sector da justiça. São onze, as associações sindicais aderentes, havendo um dia comum, o dia 26 de Outubro.
É um descalabro, uma aberração, uma anomalia grave que este executivo considere a greve como um acto perfeitamente normal, agindo com "alta" tranquilidade.
Não, não é normal.
A greve é uma suspensão voluntária, colectiva e temporária do trabalho por um conjunto de pessoas por motivos de ordem laboral; uma paragem voluntária, colectiva e temporária de uma actividade por reivindicações de vária ordem ou por protesto, e o seu recurso está no último patamar, verifica-se quando já tudo falhou.
Contudo, esta greve, mormente, dos Magistrados e Oficiais de Justiça demonstra claramente que o sector judicial colapsou.
Os Tribunais estão em crise.
Crise nas suas instalações (alguns Tribunais estão completamente degradados).
Crise na formação contínua de Magistrados e Oficiais de Justiça.
Crise no parque informático.
Crise nos recursos humanos (déficit de Magistrados e funcionários).
Crise na contingentação processual (Juízes com 1500, 2000, 2500, 3000, 3500, e sempre a aumentar).
Crise na actividade legislativa (desenquadrada das actuais necessidades do país).
Crise na estabilidade legislativa (alterações, revogações e repristinações reiteradas).
Crise no direito processual - adjectivo - (demasiado complexo e demorado).
Crise no processo executivo (a reforma de 2003 fracassou totalmente).
Os factores supra enunciados são meramente indicativos, pois há acrescer uma outra vastidão.
Mas nem tudo é crise. Existem também os privilégios.
O privilégio de trabalhar para além do horário normal, por imposição legal, e não ser remunerado por tal.
O privilégio de não receber qualquer quantia a título de trabalho suplementar.
O privilégio de trabalhar no verão com temperaturas acima dos 30%, e no inverno abaixo dos 0%.
O privilégio de trabalhar ao lado, em frente e atrás de, montes, pilhas, "resmas", "paletes" de processos.
O privilégio de trabalhar sob um clima de stress permanente.
O privilégio - agora em vias de extinção - de usufruir de um subsistema de saúde pago do nosso bolso e fruto do nosso trabalho.
O privilégio de trabalhar em regime de exclusividade (impossibilidade de exercer qualquer outra actividade, remunerada ou não).
Enfim, outros privilégios do género poderiam continuar a ser descritos.
Hoje greve dos Magistrados do Ministério Público, amanhã Juízes, Magistrados do Mº Pº e Funcionários Judiciais e quinta-feira Juízes.
Esta coesão da greve realizada em simultaneo entre os Magistrados e os funcionários judiciais revela, ab initio uma preocupação supressão dos Direitos, liberdades e Garantias, não apenas destes, mas também de todos os cidadãos em geral.
É clarividente os "privilégios" supra referidos não afectam os membros do governo, que utilizam instalações 5 estrelas, automóveis de luxo, subsídios e mais subsídios, subsistema de saúde pago pelos contribuintes (link).
Mas, como diz o ditado "pimenta no rabinho dos outros para o governo é refresco".
Os problemas da morosidade na justiça não são, de forma alguma, uma novidade, não são de hoje, não são deste Governo, nem do antecedente.
Quase todos, especialmente os políticos, tem apontado um mar imenso de problemas que afectam a celeridade. Disparam para todos os lados, e não se restringem a apontar o dedo a Magistrados e Oficiais de Justiça, sendo estes, talvez, os menores responsáveis. Não fossem eles, e a sua dedicação à "arte", sacrificando de forma irreversível as suas vidas, quer a nível familiar ou particular, a justiça não existiria, pelo menos com a celeridade actual (sendo certo, que a duração média de uma decisão final, transitada em julgado, não é a desejável). Não temo ao afirmar, que a não existirem os indicados sacrifícios, o tempo médio até à obtenção de uma decisão final aumentaria, pelo menos, para o triplo.
Não hajam enganos, sindicatos e associações da área da justiça, mormente SFJ, ASJP e SMMP, sempre se ofereceram para colaborar nas medidas legislativas que visam diminuir a morosidade.
E, infelizmente, os sucessivos governos, pura e simplesmente, fazem "ouvidos de mercador", ignorando esta preciosa ajuda, daqueles que vivem os problemas do dia a dia. Todos os governos querem deixar o seu "toque pessoal", alienando-se dos derradeiros problemas, não prevendo os entraves práticos da aplicação legislativa dos diplomas aprovados. Importante é legislar, bem ou mal, é um mero pró-forma. Importante é anunciar grandes reformas, úteis ou não, logo se verá.
A justiça não se compadece com experiências, os Tribunais não são laboratórios, julgam e decidem eventos da vida, acontecimentos humanos.
Não bastava já, a falta de meios materiais e humanos, etc... ajudar à festa, descem à terra normas jurídicas do outro mundo.
Se há um culpado na morosidade da justiça, esse tem rosto - ainda que ente abstrato (legislador) - e nome... poder político (Governo e AR).
Veja-se, a título de exemplo, a grande reforma (!?) da acção executiva, concretizada pela revisão ao Cód. Proc. Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, apresentada como inovadora na celeridade e resultados a obter no processo executivo.
Resultado desta reforma: um verdadeiro "pontapé na atmosfera". Apenas recentemente se começaram a ver alguns resultados palpáveis dessa alteração legislativa (2 anos depois).
Até tenho pavor de ver as medidas que se avizinham(!?)
Contudo, não posso deixar passar em claro uma das medidas anunciadas pelo actual executivo, refiro-me ao arquivamento das execuções por custas cujo valor seja inferior a € 400,00. É mais que evidente que esta medida vai retirar milhares de execuções dos Tribunais, reduzindo uma pequena percentagem da pendência. Contudo, a mesma, na minha opinião é uma "faca de dois gumes". Se por um lado, a curtissímo prazo retira dos Tribunais milhares de execuções, por outro vai incentivar os posteriores responsáveis pelo pagamento de custas, ao não cumprimento do seu pagamento, na esperança de uma medida similiar a esta. O resultado é obvio, a médio prazo as execuções por custas até este montante aumentarão significativamente.
Actualmente, os Tribunais - entenda-se Magistrados e Funcionários Judiciais - lutam pela manutenção e, acima de tudo, melhoria da qualidade e das condições de trabalho. Não o fazem por "birra", "mania" ou por ansiarem privilégios e regalias superiores às dos restantes cidadãos. Fazem-no porque efectivamente as condições de trabalho são péssimas, horríveis, tremendas e, principalmente por todos aqueles que necessitam de recorrer ao poder judicial.
Num sentido amplo, já foram divulgados na blogosfera, uma panóplia de acontecimentos fisícos de decadência dos Tribunais, mormente, instalações degradadas, falta de recursos humanos, meios informáticos deficientes, ausência de formação especifíca, etc...
E, pergunta o cidadão: Estes factores afectam-me directamente?
Resposta do cidadão: Parece-me que não.
Obviamente que é uma dedução errónea. Todos estes, bem como outros factores, afectam todos aqueles que visitam os Tribunais - ainda que fosse uma mera visita guiada (certamente alguns Tribunais seriam confundidos com museus) - e anseiam por uma decisão.
Assim, deixo aqui uma situação de luta real de muitos Magistrados e Oficiais de Justiça, simultanea em vários Tribunais deste país, onde os principais beneficiários não são os Magistrados e os Oficiais de Justiça, mas sim aqueles que por infortunio foram atirados para um Tribunal.
Refiro-me aos sinistrados, vitímas de acidente de trabalho que, não obstante a infelicidade de ficarem parcialmente incapacitados, por vezes atirados para uma cadeira de rodas, chegam ao respectivo Tribunal do Trabalho e, rampas de acesso "zero", encontram realmente escadas ou "escadões". Após este primeiro esforço e, já ultrapassada a porta principal, eis que surge pelo menos uma vintena de escadas. O sinistrado procura o elevador, mas não o encontra, não existe pura e simplesmente, e quando existe, pasme-se, em muitos casos não cabem as cadeiras de rodas.
Haverá, porventura alguém que não saiba, obviamente, que num tribunal do trabalho, diariamente são recebidos vários sinistrados, sejam pequenas ou grandes incapacidades!?
Pois é, são os Magistrados e Funcionários Judiciais que lutam e se manifestam também por estas situações, não porque são muito os pouco prejudicados por estas anomalias, mas porque se interessam por quem recorre aos Tribunais, pelo bem estar de todos os cidadãos.
Caro(a) Cidadã(o)Se pretende efectuar qualquer reclamação sobre a actuação do actual executivo, não se acanhe, dirija-se ao balcão e retire a sua senha...
...puche a cavilha e aguarde a sua vez, perdão, a explosão.
Se é funcionário público ou equiparado, antes de reclamar, permita-nos (Governo) o prazer de lhe instaurar um inquérito e/ou procedimento disciplinar. É para coagir e amedrontar os outros! Mas não diga nada a ninguém, porque só estamos a dialogar, e as negociações acabam quando for notificado da decisão final.
No passado dia 10 de Outubro o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) foi recebido no Ministério da Justiça, para reunião negocial no âmbito da alteração do Estatuto da Aposentação dos Funcionários Judiciais.
Nesta reunião (aparentemente) negocial representaram o Ministério da Justiça, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Dr. Conde Rodrigues, acompanhado por duas assessoras, e um representante do Ministério das Finanças e administração Pública (MFAP), o Dr. Vasco Costa (Sabe-se lá o porquê desta escolha).
Consta do sítio oficial do SFJ (link) um relatório da "palhaçada", desculpem, reunião, que abaixo se transcreve parcialmente (aclamo especial atenção às palavras a negrito):
«No início da reunião o Sr. Secretário de Estado expôs os motivos da mesma, dizendo que se tratava de mais um ronda negocial (pasme-se…) com vista a discutir (?) o Estatuto de Aposentação dos Funcionários Judiciais. Mais referiu que o conteúdo do projecto de diploma repercute fielmente o que foi traçado pelo executivo dada a necessidade de conter a despesa pública e ser necessário uniformizar regimes, não se justificando, no nosso caso, qualquer regime especial. Questionado sobre quais os critérios orientadores referiu que o critério principal foi o mesmo que levou à nossa exclusão dos serviços sociais, consubstanciado fundamentalmente na existência ou não de risco e na similitude ou não de tarefas com o que foi traçado para as forças de segurança. Ripostámos dizendo entender a situação em que o País se encontra mas que jamais deverão ser os funcionários os responsáveis, porque a verdadeira responsabilidade reside nos sucessivos executivos, dando como exemplo de má gestão, nomeadamente em despesas injustificadas no próprio Ministério da Justiça e que poderiam ser objecto de poupança. Também num passado, não muito distante, com o conluio do Governo várias empresas públicas, bancos, etc., aposentaram largos milhares de funcionários alguns com pouco mais de 40 anos que hoje sobrecarregam a despesa, pelo que não são os funcionários públicos e especialmente os judiciais responsáveis pela crise. Explicámos, ainda, que somos diariamente sujeitos a condições de trabalho muito penosas, muitas vezes desumanas e executamos tarefas de risco como por exemplo penhoras, arrestos, despejos, interrogatórios, guarda de presos nos calabouços dos Tribunais etc., que justificam um regime diferente, o que sempre se justificou pelo facto de termos um estatuto especial que ao longo dos tempos foi decalcado por normas semelhantes às forças de segurança. Relembrámos que há anos, chegou a ser-nos reconhecido o direito ao subsidio de risco mas que nunca foi regulamentado. Argumentámos que, por ocasião da publicação do Dec-Lei nº. 53-A/98, de 11/3, que impunha a regulamentação do subsídio de risco, fomos recebidos pelo então Ministro da Justiça, o Dr. Vera Jardim e Secretário de Estado o Dr. Matos Fernandes. Esta reunião teve como um dos objectivos tentar regulamentar o subsídio de risco. Nessa reunião esteve também presente o então Secretário de Estado das Finanças Dr. João Carlos Silva (era Ministro das Finanças o falecido Prof. Dr. Sousa Franco) que a propósito nos disse que efectivamente reconhecia que prestávamos serviço em situação de risco, mas que havia duas modalidades para compensar o referido risco e que se excluíam mutuamente. Uma, para quem se aposenta segundo o regime geral e que será prestada através do pagamento de uma comparticipação económica mensal a acrescer ao vencimento e a outra paga por compensação através da bonificação para a aposentação. E foi-nos dito que uma vez que dispúnhamos de um estatuto especial que nos permite aposentar mais cedo já estaríamos contemplados e por tais motivos entendia não nos ser devido o respectivo suplemento. Mais argumentámos que historicamente sempre fomos, em certos aspectos, equiparados às forças se segurança, dando como exemplo as antigas diuturnidades que eram cumpridas de igual modo e pelas mesmas regras aplicáveis aos militares e forças de segurança.Também referimos outras especificidades das nossas tarefas consagradas no C.P.C., no C.P.P. e no nosso Estatuto Profissional. Os nossos argumentos, apesar de sustentados em argumentação não contestada pelos dirigentes governamentais presentes, que até nos reconheceram razão, não tiveram, aparentemente, qualquer receptividade. O Senhor Secretário de Estado mais uma vez falou na opção politica já tomada pelo Governo nestas matérias. Na falta da razão e argumentos, nada mais adiantou. Perante a falta de receptividade invocámos outros fundamentos como a sobrecarga de trabalho, a necessidade de valorizar a classe através da formação, a necessidade de reformular e ampliar das competências estatutárias, com propostas concretas para a produtividade, motivação e desempenho para que tenhamos cada vez mais qualidades e aptidões, contribuindo a motivação e a qualificação para a melhoria do estado da justiça, sendo que a desconsideração e o esvaziamento dos conteúdos funcionais em nada contribuem para o sucesso profissional, para a motivação dos funcionários mais competentes, e para o serviço final prestado ao cidadão. Manteve-se a intransigência. Ficamos com a sensação de que há intenções do executivo em desvalorizar a nossa classe profissional aproximando-a do regime geral, com todas as consequências que tal desvalorização e igualização acarretarão. Dissemos que, se assim for, exigiremos o pagamento do trabalho extraordinário prestado sem qualquer compensação, porque se vamos trabalhar até aos 65 anos não podemos trabalhar mais do que as 35 horas semanais, ao contrário do que presentemente sucede, dado que executamos semanalmente muito mais horas do que os funcionários do regime geral e não somos pagos por isso. Do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça apercebemo-nos que até nos reconhece razão, mas à falta de “autonomia politica” invocou que a orientação recebida do Governo, é para ir em frente.Perguntámos – Então que negociações são estas? Mas o “melhor” desta reunião estava para vir. Foi quando entrou em “cena” o tal representante do Ministério das Finanças e Administração Pública, ilustre Dr. Vasco Costa! Disse logo que não concordava com nenhum dos nossos argumentos! Que a nossa obrigação era trabalhar! Que não nos queixássemos de trabalhar para além do horário, pois muitos trabalhadores também são obrigados a fazê-lo nas empresas onde trabalham, senão são despedidos!!?? Que, sabe muito bem(?!) que os Tribunais funcionam mal mas que isso se deve ao facto de quem aí trabalha, funcionários e magistrados, trabalharem pouco e mal!! Aliás, é da opinião de que na maioria das repartições públicas se trabalha mais e melhor. Claro que reagimos de forma violentamente indignada, acusando-o de assumir uma postura esclavagista de afronta e ignorância que não se compadece com o exercício de um cargo público na governação! Dissemos-lhe ainda que quem fala como ele sobre os tribunais, não conhece de verdade os tribunais. Por isso, ou mentiu ou trazia um “sermão” encomendado! (...) Que estava a falar do que não sabe! Enfim, foi um momento lamentável, ocasionado pela atitude provocatória de um comissário politico, que de uma forma gratuita decidiu ofender a nossa classe o que, naturalmente, não podíamos deixar passar em claro, sem a devida reacção. (...) Quem não considera e reconhece os seus trabalhadores não merece o nosso empenho. Veremos, então, quem tem razão e se a justiça necessita ou não da nossa dedicação. Estejamos atentos ao futuro. A demagogia e a afronta também têm limites.»
É vergonhoso, é lamentável, é deplorável que num acto de ignorância pura, o representante do MFAP, Dr. Vasco Costa comece a divagar sobre o estado da justiça (que obviamente não conhece, ou remeteria-se ao silêncio). Eventualmente, pensou que o funcionamento dos Tribunais será similar ao das repartições de finanças! Errado, nada mais errado. Não me vou alargar na parte que respeita às repartições de finanças, pois não tenho um real conhecimento.
Contudo, facilmente se vislumbrará a "olho nu" algumas diferenças entre os Tribunais e as repartições de finanças, não querendo com isto, diminuir tudo o que os funcionários do MFAP merecem efectivamente (basta reparar no avolumar de processos fiscais espalhados pelo chãos das diferentes repartições), mas na verdade os seus representantes políticos muito deixam a desejar. Equipamento informático, quase topo de gama nas repartições de finanças (RF), ao invés, obsoleto nos Tribunais; instalações, nada boas na generalidade das RF, mas nos Tribunais são degradantes; horas extraordinárias, pagas nas RF (obviamente merecidas), nos Tribunais não se vê "cheta" (trabalho gratuito), com excepção aos Magistrados e Oficiais de Justiça de turno aos Sábados, horas extraordinárias que todos os cidadãos visualizam, mas fingem não ver ou não se apercebem, veja-se uma pequena gota no oceano, que são os casos mediáticos (os não mediáticos são exageradamente mais) em que os interrogatórios acabam às 23, 24, 0, 1, 2, 3 horas, etc...; os serviços sociais, no MFAP continuam a existir e de boa saúde, designados de SOFE (link), relativamente aos Magistrados e funcionários, estes vão deixar de ser beneficiários dos SSMJ. Que estudos foram efectuados? Qual o critério? Quais as vantagens? Qual o verdadeiro fim?
Esse Dr. Vasco Costa apresentou uma teoria que há muitos anos eu julgava extinta neste país, a teoria do esclavagista. A propósito, trancrevo o artigo 4.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, «Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.»
Haja paciência...