Rui Pereira e Alberto Costa recusam responsabilidades na alteração ao Artigo 30 do Código Penal, que introduz a figura do crime continuado nos crimes contra pessoas, como os abusos sexuais ou a integridade física, e que segundo alguns especialistas beneficia o arguido que violar repetidamente a mesma vítima.
“Essa proposta, que mereceu o apoio da maioria dos representantes dos vários organismos e profissões forenses com assento na Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP), não corresponde à proposta pessoal do coordenador” – Rui Pereira, actual ministro da Administração Interna –, explicou por escrito ao CM o chefe de gabinete do autor da reforma penal, Virgílio Teixeira, confirmando que “a redacção aprovada pela Assembleia da República corresponde à proposta apresentada pela UMRP”. Na mesma nota, esclarece que no ponto em causa “como em vários outros em que não houve unanimidade prevaleceu a vontade da maioria”, sendo que Rui Pereira apresentou duas propostas distintas: primeiro, acabar com a figura do crime continuado e uma segunda que defendia o fim desta figura nos crimes contra pessoas.
A versão do autor da reforma penal é confirmada por um dos membros da unidade de missão, o advogado Carlos Pinto de Abreu: “Não houve nenhuma disposição que tivesse saído da UMRP que não tivesse a concordância da maioria.” Também o ministro da Justiça, Alberto Costa, disse ao CM que a proposta partiu da unidade de missão, “onde foi objecto de debate e de consenso entre representantes de advogados e magistrados”. Certo é que a paternidade da norma não é assumida e que foi alvo de alterações ao longo do processo. Aliás, quando os sindicatos de juízes e magistrados foram chamados a pronunciar-se sobre o projecto-lei, a parte final do artigo que está a gerar polémica – que diz que o crime continuado não se aplica nos crimes contra as pessoas, “salvo tratando-se da mesma vítima” – não constava do documento.
CRÍTICOS EXIGEM EXPLICAÇÕES
José António Barreiros considera que a alteração ao Artigo 30 do Código Penal é “escandalosa”, não tendo dúvidas em afirmar que “beneficia aquele que violar repetidamente a mesma vítima”: “O violador pagará com um crime mesmo que pratique 50 crimes.” O advogado – que já defendeu as vítimas do processo da Casa Pia – recusa porém falar “por razões de ética” sobre as consequências da alteração penal neste caso em concreto (a norma abrange processos pendentes) mas considera que “a forma como foi alcançada não é transparente”. A mesma opinião é partilhada pelo desembargador Rui Rangel, que considera a alteração “ultrajante” e, tal como o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, lembra que a medida “contraria todas as recomendações internacionais”. Falando numa “alteração radical numa altura em que os crimes de pedofilia estão na ordem do dia”, o juiz desafia agora os membros da UMRP a explicarem todo o processo.
DEPUTADOS SOCIALISTAS DIVIDIDOS
A interpretação do Artigo 30 do Código Penal não é consensual e também na Assembleia da República dividiu os deputados do PS – único partido que acabou por votar favoravelmente a alteração. Na acta da reunião de 11 de Julho da Comissão de Assuntos Constitucionais pode ler-se que “tendo sido inicialmente proposta pelo PS a eliminação do inciso final ‘salvo tratando-se da mesma vítima’, a proposta foi subsequentemente retirada”. Segundo apurou o CM, a proposta para retirar a parte final partiu de Ana Catarina Mendes. No entanto, a deputada foi de licença de parto, sendo substituída por Ricardo Rodrigues, e o texto acabou por ser aprovado com a versão inicial. Ao CM, o deputado açoriano revelou que também teve dúvidas sobre o artigo, mas acabou por votá-lo favoravelmente após ter consultado “seis acórdãos desde 1996/97” do Supremo Tribunal de Justiça que defendiam a aplicação da figura do crime continuado aos bens eminentemente pessoais. “Para corresponder à jurisprudência do Supremo”, acrescentou.
SAIBA MAIS
- 15de Setembro foi a data em que entraram em vigor as alterações às leis penais (Código Penal e Código de Processo Penal) e também a primeira Lei de Política Criminal.
- 135 reclusos foram soltos após a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, que reduziu os prazos da prisão preventiva e do inquérito.
ALTERAÇÃO
O antigo Código só admitia o crime continuado quando estavam em causa bens patrimoniais. Agora os bens pessoais também são abrangidos.
CASA PIA
Carlos Silvino, um dos arguidos do processo da Casa Pia, pode vir a beneficiar da alteração ao Artigo 30 do Código Penal, uma vez que em alguns casos é acusado de vários crimes sobre a mesma vítima.
SINDICATOS
As associações de juízes e magistrados garantem que os projectos que lhes foram enviados para se pronunciarem não continham o inciso final “salvo tratando-se da mesma vítima”.
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