Esta é a terceira carta que lhe dirijo. As duas primeiras
motivadas por um convite que formulou mas não honrou, ficaram descortesmente
sem resposta. forma escolhida para a presente é obviamente retórica e
assenta NUM DIREITO QUE O SENHOR AINDA NÃO ELIMINOU: o de manifestar
publicamente indignação perante a mentira e as opções injustas e erradas da
governação.
Por acção e omissão, o Senhor deu uma boa achega à ideia,
que ultimamente ganhou forma na sociedade portuguesa, segundo a qual os
funcionários públicos seriam os responsáveis primeiros pelo descalabro das
contas do Estado e pelos malefícios da nossa economia. Sendo a administração
pública a própria imagem do Estado junto do cidadão comum, é quase
masoquista o seu comportamento.

Desminta, se puder, o que passo a afirmar:

1.º Do Statics in Focus n.º 41/2004, produzido pelo
departamento oficial de estatísticas da União Europeia, retira-se que a
despesa portuguesa com os salários e benefícios sociais dos funcionários
públicos é inferior à mesma despesa média dos restantes países da Zona
Euro.

2.º Outra publicação da Comissão Europeia, L?Emploi en
Europe 2003, permite comparar a percentagem dos empregados do Estado em
relação à totalidade dos empregados de cada país da Europa dos 12. E o que
vemos? Que em média nessa Europa 25,6 por cento dos empregados são empregados
do Estado, enquanto em Portugal essa percentagem é de apenas 18 por cento. Ou
seja, a mais baixa dos 12 países, com excepção da Espanha.

As ricas Dinamarca e Suécia têm quase o dobro,
respectivamente 32 e 32,6 por cento. Se fosse directa a relação entre o peso
da administração pública e o défice, como estaria o défice destes dois
países?

3º. Um dos slogans mais usados é do peso das despesas da
saúde. A insuspeita OCDE diz que na Europa dos 15 o gasto médio por habitante
é de 1458. Em Portugal esse gasto é . 758. Todos os restantes países, com
excepção da Grécia, gastam mais que nós. A França 2730, a Austria 2139, a
Irlanda 1688, a Finlândia 1539, a Dinamarca 1799, etc.

Com o anterior não pretendo dizer que a administração
pública é um poço de virtudes. Não é. Presta serviços que não justificam
o dinheiro que consome. Particularmente na saúde, na educação e na justiça.
É um santuário de burocracia, de ineficiência e de ineficácia. Mas
infelizmente os mesmos paradigmas são transferíveis para o sector privado.
Donde a questão não reside no maniqueísmo em que o Senhor e o seu ministro
das Finanças caíram, lançando um perigoso anátema sobre o funcionalismo
público. A questão reside em corrigir o que está mal, seja público, seja
privado. A questão reside em fazer escolhas acertadas. O Senhor optou pelas
piores . De entre muitas razões que o espaço não permite, deixe-me que lhe
aponte duas:

1.º Sobre o sistema de reformas dos funcionários públicos
têm-se dito barbaridades . Como é sabido, a taxa social sobre os salários
cifra-se em 34,75 por cento (11 por cento pagos pelo trabalhador, 23,75 por
cento pagos pelo patrão ).

OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS PAGAM OS SEUS 11 POR CENTO! .

Mas O SEU PATRÃO ESTADO NÃO ENTREGA MENSALMENTE À CAIXA
GERAL DE APOSENTAÇÕES, COMO LHE COMPETIA E EXIGE AOS DEMAIS EMPREGADORES, os
seus 23,75 por cento. E é assim que as "transferências" orçamentais assumem
perante a opinião pública não esclarecida o odioso de serem formas de sugar
os dinheiros públicos.

Por outro lado, todos os funcionários públicos que entraram
ao serviço em Setembro de 1993 já verão a sua reforma ser calculada segundo
os critérios aplicados aos restantes portugueses. Estamos a falar de quase
metade dos activos. E o sistema estabilizará nessa base em pouco mais de uma
década.

Mas o seu pior erro, Senhor Engenheiro, foi ter escolhido para
artífice das iniquidades que subjazem á sua política o ministro Campos e
Cunha, que não teve pruridos políticos, morais ou éticos por acumular aos
seus 7.000 Euros de salário, os 8.000 de uma reforma conseguida aos 49 anos de
idade e com 6 anos de serviço. E com a agravante de a obscena decisão legal
que a suporta ter origem numa proposta de um colégio de que o próprio fazia
parte.

2.º Quando escolheu aumentar os impostos, viu o défice e
ignorou a economia. Foi ao arrepio do que se passa na Europa. A Finlândia dos
seus encantos, baixou-os em 4 pontos percentuais, a Suécia em 3,3 e a Alemanha
em 3,2.

3º Por outro lado, fala em austeridade de cátedra, e é
apologista juntamente com o presidente da Câmara Municipal de Viana do
Castelo, da implosão de uma torre ( Prédio Coutinho ) onde vivem mais de 300
pessoas. Quanto vão custar essas indemnizações, mais a indemnização
milionária que pede o arquitecto que a construiu, além do derrube em si?

4º Por que não defende V. Exa a mesma implosão de uma outra
torre, na Covilhã ( ver ' Correio da Manhã ' de 17/10/2005 ) , em tempos
defendida pela Câmara, e que agora já não vai abaixo? Será porque o autor
do projecto é o Arquitecto Fernando Pinto de Sousa, por acaso pai do Senhor
Engenheiro, Primeiro Ministro deste país?

a.. Por que não optou por cobrar os 3,2 mil milhões de
Euros que as empresas privadas devem à Segurança Social ?
b.. Por que não pôs em prática um plano para fazer a
execução das dívidas fiscais pendentes nos tribunais Tributários e que
somam 20 mil milhões de Euros ?
c.. Por que não actuou do lado dos benefícios fiscais que
em 2004 significaram 1.000 milhões de Euros ?
d.. Por que não modificou o quadro legal que permite aos
bancos , que duplicaram lucros em época recessiva, pagar apenas 13 por cento
de impostos ?
e.. Por que não renovou a famigerada Reserva Fiscal de
Investimento que permitiu à PT não pagar impostos pelos prejuízos que teve
no Brasil, o que, por junto, representará cerca de 6.500 milhões de Euros de
receita perdida ?

A Verdade e a Coragem foram atributos que Vossa Excelência
invocou para se diferenciar dos seus opositores.


QUANDO SUBIU OS IMPOSTOS, QUE PERANTE MILHÕES DE PORTUGUESES
GARANTIU QUE NÃO SUBIRIA ,

FICÁMOS TODOS ESCLARECIDOS SOBRE A SUA VERDADE.

QUANDO ELEGEU OS DESEMPREGADOS , OS REFORMADOS E OS
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS COMO PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE COMBATE AO DÉFICE,

PERCEBEMOS DE QUE TEOR É A SUA CORAGEM.

Santana Castilho (Professor Ensino Superior)

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Comments

1 Response to 'CARTA ABERTA AO ENGº JOSÉ SÓCRATES'

  1. xavier ieri
    http://lexfundamentalis.blogspot.com/2006/11/carta-aberta-ao-eng-jos-scrates.html?showComment=1163493840000#c116349389610100891'> 14 novembro, 2006 08:44

    Ao Santana Castilho devemos agradecer a carta aberta ao PM.
    Ao João Carlos, tê-la divulgado aqui.
    Na verdade, este Governo em nome do controlo do défice público e do crescimento económico tem dado das maiores machadadas sociais de que há memória recente.
    E o pior é que não só assenta numa falácia, em grande medida, como também nada garante (e menos ainda o historial recente do investimento privado em Portugal) que esta seja a via para o desenvolvimento.
    Porquê?
    Porque é feita contra as pessoas.
    Só com um desígnio colectivo, apresentado aos cidadãos como via colectiva de alcançar o bem comum, capaz de engajar nesse desiderato todos e cada um de nós, é que Portugal pode avançar.
    O Governo não faz isso.
    Divide para reinar.
    Guia-se, muitas vezes, pelas suas quesílias pessoais (caso dos juízes, copntra os quais o engrº Sócrates tem qualquer coisa...).
    As reformas, mesmo as necessárias, hão-de fazer-se arregimentando as pessoas para essa e cada uma dessas causas.
    E não contra as pessoas!