Saldanha Sanches, fiscalista, conhecido por alertar sucessivamente para o crescimento da corrupção, designadamente no futebol e nas autarquias, considera que não há vontade política para combater este tipo de criminalidade e critica as desculpas de falta de meios frequentemente invocadas pelo Ministério Público. Na semana em que José Veiga foi constituído arguido no caso da transferência de João Pinto, o fiscalista reitera que toda a cautela da PJ e do Fisco nesta matéria é pouca e volta a manifestar-se a favor do fim do sigilo bancário.
Correio da Manhã – O caso de José Veiga é a ponta do icebergue na fuga ao Fisco dos empresários do futebol?
Saldanha Sanches – Não faço a menor ideia. Mas acho que esse hábito de fazer ‘off-shores’ para transferências é um caso de polícia. Não pode haver uma ‘off-shore’ sempre que se compra um jogador. E acho que a esse respeito toda a cautela do Fisco e da Polícia Judiciária é pouca.
– E o que é que eles podem fazer?
– Muita coisa. Se o fluxo sai de cá, se é pago por uma entidade residente em Portugal, é preciso saber para quem é que vai. Porque não vejo mais nenhuma razão para sair de cá senão a fuga ao Fisco.
– Acha que o sigilo bancário deveria sempre cair no caso dos contratos dos futebolistas?
– O sigilo bancário não deveria existir em relação à Administração Fiscal. Em nenhum país civilizado existe. E não devem ser permitidos também pagamentos em ‘cash’, devem ser feitos obrigatoriamente por cheque, em cheque nominativo, identificando as pessoas que recebem o pagamento.
– Espanha está a desencadear uma série de medidas contra a promiscuidade entre autarquias locais e clubes de futebol. Acha que Portugal pode fazer o mesmo?
– Pode não, deve. É urgentíssimo, mas isso depende da vontade política de avançar por aí e envolve também tribunais e Polícia Judiciária a funcionar, o que não me parece que seja o caso.
– E acha que não há vontade política...
– Nenhuma, nenhuma. Aliás, basta ouvir o director da Polícia Judiciária a esse respeito. Ele já falou da corrupção e acho que já tentou demonstrar que a corrupção é uma coisa muito complicada, falar dela pode ser populismo e não se pode fazer nada a esse respeito.
– Os consultores e os advogados vão ser obrigados a revelar ao Fisco o planeamento fiscal que fazem para os seus clientes. É um passo importante para o combate à fuga fiscal?
– Isso já está a ser feito no Reino Unido e nos Estados Unidos e não é fuga, é a chamada evitação fiscal ou evitação lícita, e não tem dado grandes resultados. Mas é uma medida possível.
– Tem-se falado muito no combate à corrupção, principalmente desde o discurso do Presidente da República, a 5 de Outubro, e da tomada de posse do novo procurador-geral da República, Fernando Pinto Monteiro. Pensa que é uma questão de moda ou que se trata de uma preocupação verdadeira?
– A corrupção está a crescer, e há duas hipóteses: ou nos resigna ou estrebuchamos. Acho que a sociedade está a estrebuchar alguma coisa. O problema existe, agora a questão é saber se nos resignamos ou se protestamos contra ela.
– Como?
– Depende da posição tomada pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária, basicamente. Essa é que é a grande questão, é a opção que eles tomam e a mensagem que fazem passar para o exterior a respeito da sua posição sobre isto
.– E medidas legislativas?
– Não. Leis já nós temos muitas... Podemos aperfeiçoar aqui e acolá, mas não é essa a questão principal.
– Mas os meios também dependem do poder político e o Ministério Público, designadamente o Departamento Central de Investigação e Acção penal [DCIAP] tem denunciado e tem-se queixado de falta de meios...
– Essas queixas são uma posição típica de funcionário público: ‘Não temos meios, não temos meios, não é possível, não é possível fazer nada.’ Isso é mera desculpa, não deve ser levado a sério. Podemos usar o melhor possível os meios que temos. Não se pode investigar tudo. Se os meios são escassos, façam-se investigações cirúrgicas, localizadas e rápidas.
– A ‘Operação Furacão’, que já se arrasta há um ano...
– Apesar de haver 20 funcionários das Finanças a trabalhar sucessivamente na ‘Operação Furacão’... Ora, 20 funcionários das Finanças, quando são competentes, são meios como o MP jamais teve em toda a sua vida.
– Então acha que não há vontade para avançar?
– Eu acho é que não há capacidade para avançar, se é falta de vontade não sei. Agora sei é que esse é o melhor exemplo de o facto de a desculpa da falta de meios ser um mero álibi. E este caso tem meios relevantíssimos.
– Que expectativas tem sobre o desfecho deste processo?
– Não faço ideia nenhuma. Aliás, eu volto a fazer uma pergunta que já fiz uma vez: e que é feito de um processo muito mais simples, que é o processo da tentativa de suborno ao dr. José Sá Fernandes. Segundo parece, foi tudo gravado e registado. Por que é que esse processo não avança?
– O novo PGR sublinhou no seu discurso de posse uma preocupação com o combate à corrupção...
– Não dei por isso. Estou à espera...
– Qual é a sua opinião sobre a eventual constituição de um tribunal especial para as questões da criminalidade económica?
– Não sei, talvez. Admito a constituição de uma comissão administrativa que fosse um filtro pré-judicial nos litígios fiscais.
– Como vê as medidas tomadas pelo ministro da Justiça, Alberto Costa?
– O ministro da Justiça tem sido um desastre e tem aceitado sucessivas desconsiderações por parte do Governo, desde o Pacto da Justiça, assinado à margem, até à reunião do primeiro-ministro com o procurador-geral da República e o ministro das Finanças.
– O que pensa da actuação do primeiro-ministro no sector da Justiça?
– Não tem vontade nenhuma de resolver os problemas da Justiça e parece não gostar muito de tribunais.
"TRIBUNAIS ARBITRAIS SÃO SÓ PARA RICOS"
CM – Fez uma intervenção muito crítica sobre a jurisdição dos tribunais arbitrais, cuja abrangência tem vindo a aumentar consideravelmente nas questões de consumo. Considera que são tribunais só para ricos e a independência e isenção das suas decisões podem ser postas em causa...
S.S. – E são. São tribunais que exigem grande poder económico e nem sempre são tão isentos como seria o tribunal comum.
– Porquê?
– Porque o juiz tem uma imparcialidade e uma independência inultrapassáveis. No sistema privado há sempre algumas dúvidas...
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