A proposta de revisão do Código de Processo Penal (CPP), já aprovada em Conselho de Ministros, determina que todos os processos contra a liberdade e autodeterminação sexual, e não só aqueles em que estão em causa menores de 16 anos, decorram com exclusão de publicidade.
“Em caso de processo por crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual os actos processuais decorrem em regra com exclusão da publicidade”, lê-se no artigo 87 da proposta de revisão do CPP. Elaborado pela Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP), presidida por Rui Pereira, o projecto alarga as excepções à regra da publicidade, consagrada pela Constituição – assistência do público, reprodução dos actos processuais pelos meios de comunicação e consulta dos autos. Além dos crimes sexuais, o alargamento da norma estende-se também aos crimes de tráfico de pessoas, só agora consagrado também no projecto de revisão do Código Penal.
“FUNDAMENTAR A EXCEPÇÃO”
A medida – que, segundo a exposição de motivos justifica alterações de 188 artigos, enquadra-se no reforço da protecção à vítima – levanta, no entanto, algumas dúvidas nos meios judiciais.É o caso de António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), que falando num “alargamento enorme”, não compreende a alteração. “Não se justifica. Actualmente já é possível proteger a vítima porque existe legislação especial”, afirmou o magistrado ao CM, sublinhando que a exclusão de publicidade em relação a menores de 16 anos, tal como a lei prevê actualmente, “é perfeitamente compreensível”. Já Carlos Pinto de Abreu, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados e membro do Conselho da UMRP, compreende a intenção da medida, mas classifica como “preocupante” o facto de se estabelecer a exclusão da publicidade como uma regra. “Sou um acérrimo defensor das audiências públicas, em termos gerais”, disse o causídico, lembrando que, pontualmente, pode haver uma ponderação dos interesses em causa e das circunstâncias. Pinto de Abreu diz mesmo que a publicidade deve ser a regra e “deve fundamentar-se a excepção”.
Recorde-se que, segundo a lei, Código de Processo Penal e Constituição, o processo penal é público, sob pena de nulidade, prevendo-se a excepção em relação a casos de crimes sexuais que tenham como vítimas menores de 16 anos.
A proposta do novo Código alarga esta excepção a todos os processos de crimes sexuais, independentemente da idade das vítimas.
O CM tentou contactar Rui Pereira, o que não foi possível até ao fecho da edição.
PARECER ARRASADOR
A reforma do Código de Processo Penal, elaborada pela Unidade de Missão presidida por Rui Pereira, já mereceu um parecer “arrasador” por parte do Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais, elaborado pelos juízes Fátima Mata-Mouros, José Mouraz Lopes e Joaquim Correia Gomes, a pedido da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
No documento de 22 páginas, os magistrados – que se debruçaram, entre outros temas, sobre a alteração do regime das escutas telefónicas, segredo de justiça, alargamento dos procedimentos nos reconhecimentos e a limitação do tempo dos interrogatórios – consideram que se trata de uma reforma que não assegura um aumento da celeridade e eficácia da Justiça mas, pelo contrário, abre “brechas inevitáveis”, omite questões fundamentais à investigação criminal e parece procurar “consensos corporativos” sem uma linha de rumo previamente definida, inspirando-se, em algumas situações, em “processos mediatizados envolvendo figuras públicas”.
PORTA SEMIABERTA NA CASA PIA
A mediatização do processo de pedofilia da Casa Pia e o interesse manifestado pela Comunicação Social e pela comunidade, desde logo por envolver figuras públicas, levou a juíza Ana Peres a adoptar uma solução intermédia em relação à publicidade do julgamento, conciliando o direito à informação e a reserva das vítimas – à data dos alegados crimes, menores de 16 anos. Depois de um primeiro despacho que deixava ao critério dos advogados de defesa a possibilidade de os jornalistas assistirem à audição das suas testemunhas, excluindo as do Ministério Público, Ana Peres abriu as portas durante as declarações dos arguidos e fechou-as durante as audições das vítimas. Considera-se, então, que o julgamento decorre à porta fechada, sem a assistência do público, mas permite a presença de jornalistas.
APONTAMENTOS
REGRA DA PUBLICIDADE
Segundo a Constituição, as audiências são públicas salvo quando o tribunal decidir em contrário, em despacho fundamentado, para salvaguardar a dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento.
EXCEPÇÕES
Os processos de crimes sexuais que tenham por ofendido menor de 16 anos decorrem com exclusão de publicidade, excepto a sentença. A regra da publicidade, porém, não abrange ainda os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova.
SEGREDO DE JUSTIÇA
O tribunal pode ainda determinar a exclusão da publicidade quando fazem parte da prova factos que se encontram em segredo de justiça, como aconteceu no caso da ex-funcionária da PGR, Teresa de Sousa, condenada por burla.
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