Depois do BPN e do Freeport , o juiz Carlos Alexandre protagonizou uma rentrée em força com o caso dos submarinos. O segredo: não teve férias.
Foi uma entrada de leão. Ainda o país vivia a ressaca das eleições legislativas, menos de 48 horas depois de ter sido anunciada a vitória do PS e o surpreendente resultado do CDS-PP, e o juiz Carlos Alexandre já estava a entrar de rompante com um mandado de busca pelos escritórios Vieira de Almeida, nas Amoreiras, em Lisboa, acompanhado por duas procuradoras. Era a segunda vez, no intervalo de nove meses, que Carlos Alexandre surgia a vasculhar a sociedade de advogados, a propósito de um processo que envolve, mais uma vez, o coração do poder político em Portugal.
O caso da compra suspeita de dois submarinos a um consórcio alemão parecia adormecido, mas a súbita entrada em cena do único juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) - conhecido no meio judicial como o 'Ticão' - relançou o tema para os jornais, expondo novamente Paulo Portas, o então ministro da Defesa que promoveu o negócio em 2004. Além da Vieira de Almeida, foram também alvo de buscas no mesmo dia outras duas sociedades, entre elas a Sérvulo e Associados.
Apesar da reincidência das buscas na Vieira de Almeida, que já tinham causado mal-estar e indignação na Ordem dos Advogados em Janeiro, quando o pretexto era na altura o 'processo Freeport', o juiz não hesitou em assinar por baixo as pretensões do Ministério Público. Como quase sempre acontece, aliás. É raro Carlos Alexandre não autorizar as diligências propostas pelos procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que têm partilhado com ele os cinco maiores dossiês do crime económico no país: operação Furacão, Portucale, BPN, Freeport e a compra dos submarinos. "Quanto mais poderosas são as pessoas visadas, mais firmeza e segurança ele parece ter nas decisões que toma", diz um dos magistrados que costuma lidar com ele.
A aparente rentrée em força do juiz, na verdade, não caiu do céu. Carlos Alexandre não parou durante o Verão, dando andamento a todos os inquéritos-crime que tem entre mãos. "Preferiu, como prefere sempre, manter os processos com ele e recusou ser substituído mesmo durante as férias", revela um amigo próximo. Durante Agosto veio a Lisboa sempre que foi preciso, incluindo para dar vazão a diligências urgentes relacionadas precisamente com o caso dos submarinos e que não chegaram a vir a público. Do Algarve ou de Mação, de onde é natural e onde mantém uma casa, fazia as viagens conduzido pelos dois seguranças pessoais da PSP que o levam para todo o lado e que sabem como encurtar distâncias.
Já antes disso, tinha estado bastante activo nos casos BPN e Freeport. No dia 16 de Julho autorizou e esteve presente nas buscas à casa de Arlindo de Carvalho, ex-ministro da Saúde de Cavaco Silva, que quatro dias depois seria ouvido durante seis horas pelo juiz e pelo DCIAP, sendo constituído arguido por estar alegadamente envolvido em aquisições fictícias que serviram para camuflar prejuízos do BPN. No dia 17 foi a vez de ir a casa de Dias Loureiro, outro ex-ministro de Cavaco, quando foram encontrados, num compartimento acessível só pela casa de banho, três dossiês sobre os negócios ruinosos em que está implicado como arguido: Porto Rico e Marrocos.
Mas a intervenção mais notória de Carlos Alexandre no Verão aconteceria no dia 27 de Julho, quando resolveu chamar Carlos Guerra, o sexto e último dos arguidos do processo Freeport, depois de o ex-presidente do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) ter dirigido ao juiz de instrução criminal uma carta em que se queixava do facto de não terem sido respeitadas as formalidades ao ser constituído arguido pelos procuradores Pais de Faria e Vítor Magalhães.
Guerra, que se tinha recusado antes a prestar declarações aos procuradores, acabaria por responder, durante dois dias, às mais de 40 perguntas que Carlos Alexandre lhe fez, em que o responsável que assinou o parecer decisivo para a aprovação ambiental do outlet de Alcochete falou, inclusive, do modo como o então secretário de Estado Pedro Silva Pereira acompanhou de perto todo o processo. Uma fonte do Ministério Público admite que não é comum um juiz de instrução criminal participar tão activamente num interrogatório em fase de inquérito, uma vez que esse é o papel dos procuradores. Mas onde uns vêem virtude, outros só encontram defeitos. "Ele é um excelente procurador", garante um advogado que já o enfrentou várias vezes. "E por isso não pode ser um bom juiz. Não é parcial." Numa coisa, porém, todos concordam: Alexandre não é um juiz comum.
Amigos e colegas reconhecem que o magistrado do 'Ticão' tem uma memória prodigiosa para nomes e contextos e uma capacidade invulgar de associar factos contidos em processos diferentes - sobretudo quando estão em causa casos complexos que envolvem directamente os alicerces do regime, implicando os partidos do poder e em que é, na verdade, uma das únicas pessoas com conhecimento profundo de todos eles.
Carlos Alexandre, o terceiro juiz até hoje a ocupar o lugar no 'Ticão', conseguiu, além disso, tornar-se a cabeça de um corpo coeso e empenhado de funcionários. "A estrutura já existia, mas há sempre marcas pessoais que cada magistrado traz consigo", diz um dos 13 elementos da sua equipa. "É uma pessoa muito exigente, que acompanha de muito perto todos os passos do trabalho e que, de certo modo, dá o exemplo." O juiz faz questão de conhecer todos os prazos e diligências dos processos, de ler tudo o que pode e de, a todo o momento, saber quanto trabalho tem e quanto irá ter nos dias seguintes. Não deixa nada ao acaso. Mas até para isso parece ter um talento especial: motivar os funcionários, que já estão habituados a apresentarem-se ao serviço a qualquer hora e pelo tempo que for preciso - seja final da noite, final da semana ou final de ano. Como aconteceu em 2007, quando o juiz e dois funcionários saíram do TCIC já depois das 23h de 31 de Dezembro. "Só fui a tempo de abrir a garrafa de champanhe", recorda um deles.
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