Diversos responsáveis do Ministério da Justiça se têm referido repetidas vezes a uma misteriosa realidade a que chamam a “desmaterialização dos processos”, sem nunca se perceber em toda a sua extensão o que pretendem dizer.Ultimamente andam a falar muito em “desmaterialização dos recursos”.Em Julho passado escrevi no blog Ciberjus:
A desmaterialização dos processos judiciais é um chavão introduzido recentemente no léxico judiciário que significa o abandono do papel e a prioridade ao suporte digital dos processos.Por outras palavras, o verdadeiro processo passa a correr no servidor do Tribunal, onde está arquivado em formato digital; as cópias em papel que Magistrados e Advogados terão em seu poder não passam disso, de cópias, o verdadeiro original está num computador central do Tribunal, a que se chama vulgarmente o servidor.
Tal servidor tem que ser um computador ultra-seguro, rodeado das maiores cautelas, com software muito sofisticado que impeça intrusões não autorizadas mas permita o acesso de quem legitimamente pode aceder à informação.
Isso implica ainda um servidor redundante, isto é, um segundo servidor, em tudo igual ao primeiro, com a mesma informação, que entre em funcionamento automaticamente se o primeiro servidor por alguma razão entrar em avaria.
E implica também diversas equipas de técnicos muito qualificados que funcionem 24 horas por dia.
Sem falar nas milhares de horas de formação que será necessário oferecer aos utilizadores do sistema.
O material é caro, a mão de obra também, a disponibilidade permanente de técnicos qualificados é paga a preço de ouro e a formação também não é barata.
Terá o Ministério da Justiça solvência para instalar e manter um sistema desses ?
Terá o mesmo capacidade para concretizar a “desmaterialização” de que tanto fala o senhor Ministro ?
Haverá uma programação tecnológica devidamente calendarizada que ultrapasse o tradicional amadorismo e a superficialidade do “desenrascanço” à portuguesa que todos conhecemos ?
A resposta a essa pergunta tem um nome: “Habilus”, um programa feito em Portugal que segundo indicação de especialistas sofre de grandes deficiências de eficácia e segurança.
Tenho ouvido uns “zum-zuns” de que a “desmaterialização dos recursos” vai implicar o uso obrigatório do dito programa por parte dos Desembargadores e aí começa a minha perplexidade: a que propósito se obriga o magistrado a usar este ou aquele programa ?
Nos idos dos anos oitenta um grupo de jovens e prometedores “cérebros” da área informática do Ministério da Justiça fez uma desastrada tentativa para impor nos Tribunais um único processador de texto, o já então pré-histórico “Display Write 4”, o que, evidentemente, não conseguiram.
Tal exigência parece-me tão estulta como seria a exigência de todos os magistrados usarem canetas Parker de tinta permanente ou esferográficas Bic.Acresce que há magistrados que trabalham com outros sistemas operativos que não o “Windows”, como sejam o “Macintosh” e o “Linux”, onde creio que esse programa “Habilus” não corre.
Mas mesmo sem esta última objecção, o uso do “Habilus” não poderá tornar-se obrigatório pela razão simples e singela de isso não estar previsto em lei e de, no caso de o Governo aprovar algum Decreto-Lei nesse sentido, ele ser de muito duvidosa constitucionalidade.
O ano de 2006 aproxima-se e com ele uma polémica “desmaterialização”.
Quanto ao que vai ser “desmaterializado”, creio que isso é ainda uma questão a ver.
Entretanto foram feitas apreciações muito negativas do programa "Habilus", que poderão ser vistas aqui, entre outros locais, o que motivou uma nota do Ministério da Justiça, que pode ser lida aqui.
Para além das declarações de boas intenções, não vimos até agora nenhuma indicação em concreto que esclareça as premissas e as condicionantes tecnológicas em que a desmaterialização dos processos se possa consubstanciar: qual é o software que vai ser utilizado ? Está certificado por alguma instituição ? Foram feitos testes no terreno ? Com que resultados ? Seria agora uma boa altura para o Ministério da Justiça publicitar essa informação, por forma a que todos os interessados possam conhecer em detalhe o que está feito, o que se pretende fazer e a respectiva calendarização - para quem tanto se gaba de prezar a transparência, esta é uma boa oportunidade para juntar o gesto à palavra e mostrar alguma coerência.
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