Conta de merceeiro justificou férias
Tem sete páginas apenas, não está assinado, lança muitas dúvidas aos seus destinatários, mas existe. O estudo, com o qual o Governo justifica a redução das férias judiciais foi divulgado no ‘site’ do Ministério da Justiça e concentra agora as atenções sobre a sua sustentabilidade.

A divulgação do documento foi suscitada pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, na sequência de uma queixa apresentado por um juiz do Porto. Apesar do ministério entender que o estudo não constitui um documento de natureza administrativa – “mas antes materiais relativos ao exercício da função político-legislativa do Estado – acedeu à sua divulgação.
O seu conteúdo, porém, é tido como demasiado simplista: faz um cálculo baseado em 10 meses de trabalho dos tribunais (os outros dois eram férias) e conclui por uma determinada média de processos cíveis findos por mês. Por exemplo, em 2003, a média foi de 42.407. De seguida, acrescenta mais um mês de produtividade, ou seja mais 42.407 processos, que representam 10 por cento do bolo processual.
Depois das contas, a conclusão: “É razoável admitir que a redução de um mês no período de férias judiciais de Verão poderá permitir um aumento de processos findos idêntico à média mensal de processos findos, ou seja, um aumento de 10% do número de processos cíveis findos.”
“Então isto não é mercearia?”, questiona António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, que, em declarações ao CM, coloca em causa a equações de três parcelas usada no documento datado de 21 de Abril de 2005. “Os nosso piores receios confirmaram-se. Não é uma estudo com profundidade técnica e muito menos científica.
JUIZ QUER ESTUDO CERTIFICADO
O juiz Paulo Faria espera mais do que aquilo que leu ontem no ‘site’ do Ministério da Justiça. Para já, afirma-se satisfeito porque foi dado corpo a algo que há muito era pedido, mas recorda que pediu também a certificação da autoria e da data em que estudo foi realizado. Mais crítico, António Cluny, presidente do Sindicato dos Magistrado do Ministério Público diz ser a confirmação de que a decisão de reduzir as férias “não resultou de análise criteriosa dos problemas, mas de uma vontade política de produzir factos mediáticos”. Fala em raciocínio simplista e sugere ao Governo para usar esse mês – fora do período normal de serviço para dar formação a magistrados e funcionários.
O PERÍODO DE DESCANSO NO VERÃO NOUTROS PAÍSES
ALEMANHA
Tribunais - Não tem
Juízes - 30 dias úteis
ÁUSTRIA
Tribunais - 15 a 25 de Julho
Juízes - 5 a seis semanas
BÉLGICA
Tribunais - Julho e Agosto
Juízes - 6 semanas
BULGÁRIA
Tribunais - 15 de Julho a 31 de Agosto
Juízes - 1 mês
CHIPRE
Tribunais - 9 de Julho a 9 de Setembro
Juízes - 4 semanas
CROÁCIA
Tribunais - Não tem
Juízes - 30 dias úteis
DINAMARCA
Tribunais - 4 semanas no Verão
Juízes - 6 semanas
ESLOVÁQUIA
Tribunais - Não tem
Juízes - 6 semanas
ESLOVÉNIA
Tribunais - 15 de Julho a 15 de Agosto
Juízes - 30 a 40 dias úteis
ESPANHA
Tribunais - Agosto
Juízes - 1 mês
ESTÓNIA
Tribunais - Não tem
Juízes - Entre 49 a 56 dias
FINLÂNDIA
Tribunais - Não tem Juízes - 45 dias úteis
FRANÇA
Tribunais - 8 semanas
Juízes - 47 dias
HOLANDA
Tribunais - Não tem Juízes - 8 semanas
INGLATERRA
Tribunais - 8 semanas
Juízes - Entre 195 a 210 dias
ITÁLIA
Tribunais - 18 de Agosto a 15 de Setembro
Juízes - 45 dias
POLÓNIA
Tribunais - Não tem
Juízes - 30 a 36 dias
REPÚBLICA CHECA
Tribunais - Não tem
Juízes - 5 semanas
ROMÉNIA
Tribunais - Julho e Agosto
Juízes 35 dias
SUÉCIA
Tribunais - Não tem
Juízes - 35 dias
SUÍÇA
Tribunais - 1 mês
Juízes - 4 a 6 semanas
In CM
Magistrados acusam ministro de se ter apoiado num "estudo de mercearia"
"Trata-se de um estudo de mercearia, de um mero cálculo aritmético." "É um estudo superficial, de natureza quase aritmética." Foi desta forma que juízes, primeiro, e magistrados do Ministério Público (MP), depois, reagiram ao estudo que serviu de base ao Ministério da Justiça (MJ) para reduzir as férias judiciais ao mês de Agosto.O estudo - que o ministro citou o ano passado no Parlamento - tinha-lhe sido exigido pelo juiz do Porto Paulo Ramos Faria. Como não recebeu resposta de Alberto Costa, o magistrado judicial decidiu recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que veio agora ordenar ao Ministério a entrega do documento. Ontem, o estudo seguiu por mail para o juiz Paulo Faria.No documento, com data de Abril de 2005 (já o actual Governo tinha tomado posse, ao contrário do que garantiu o ministro), o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do MJ faz uma análise do anterior regime, concluindo que o número de dias em que os tribunais fechavam portas - excepto para processos urgentes - correspondia a 23 por cento do ano judicial (13 dias no Natal, quatro na Páscoa, 60 no Verão). Durante os férias, um juiz que esteja a trabalhar só pode praticar actos urgentes, porque não há julgamentos, nem correm prazos processuais. Por esse motivo, refere o estudo, "grande parte dos processos vêem a sua marcha afectada durante quase uma quarta parte do ano". Depois, para calcular o impacto que a redução das férias de Verão de 16 de Julho a 14 de Setembro para o mês de Agosto, o Gabinete toma como ponto de referência a "média de processos findos diariamente nos períodos de funcionamento dos tribunais", que diz serem 1 876. E também a média diária registada nas férias de Verão, que é de 126 processos. Ora, a lógica é esta: subtrai-se 126 a 1 876 e dá 1 750. É este o acréscimo diário que o Ministério previa obter com a redução das férias. Multiplicando, então, 1 750 pelo 30 dias retirados às férias de Verão, resultaria um acréscimo de 52 500 processos findos, um aumento de produtividade de 9,7 por cento. Aqui está o acréscimo "de 10 por cento" acenado pelo ministro . "Uma redução de 30 dias do período de férias judiciais trará consigo, por outro lado, uma diminuição do tempo médio de resolução judicial de diferentes", sustenta-se no estudo. A reacção dos juízes e magistrados do MP não se fez esperar. "Este estudo vem confirmar os nossos piores receios. De estudo científico não tem nada, trata-se de um mero estudo de mercearia e é a confirmação de como se legisla neste País, sem critério científico e sem rigor ", criticou, em declarações ao DN, o presidente da Associação Sindical dos Juízes, António Martins.António Cluny, presidente do Sindicatos dos Magistrados do MP, critica o documento por ser "superficial" e por se basear num "mero cálculo aritmético, sem ter em conta as consequências da medida e a complexidade do sistema"."Este estudo apenas teve consistência para justificar uma medida de natureza política que já estava previamente tomada", rematou.
In DN
Ministro obrigado a revelar estudo
O ministro da Justiça tem até dia 20 para dizer se tem o estudo que está na base da redução das férias dos tribunais. A decisão é da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e surge na sequência de uma queixa apresentada por um juiz do Porto, Paulo Faria.

O Ministério recebeu a informação, referindo que “oportunamente se pronunciará sobre a mesma”.
Antes de recorrer à comissão, Paulo Faria solicitou ao Ministério da Justiça uma cópia do documento, mas o gabinete tutelado por Alberto Costa não chegou a responder. O juiz dirigiu-se então à comissão, que agora lhe deu razão.
“Deve o Ministério da Justiça certificar da existência desse estudo, bem como da data da sua elaboração e da sua autoria ou se não for detentor do estudo deve informar da sua inexistência”, lê-se na decisão de 29 de Março à qual o CM teve acesso. De acordo com a lei, o Governo tem 15 dias para se pronunciar.
O polémico documento, citado oficialmente no Plenário da Assembleia da República, a 28 de Julho do ano passado, estima que a redução das férias de Verão para um mês gera um ganho de dez por cento da produtividade dos tribunais.
Foi com base nessas estimativas que a lei foi alterada e os tribunais, que antes encerravam dois meses no Verão – de 15 de Julho a 15 de Setembro – passam a fechar apenas no mês de Agosto (Lei n.º 42/2005).
RECURSO PARA TRIBUNAIS
Apesar da decisão da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos não ter poder vinculativo, o seu parecer pode criar alguns constrangimentos ao ministro Alberto Costa, se este entender não responder ao queixoso. Isso mesmo referiu ao CM Paulo Faria, que já se prepara para recorrer à via judicial com uma acção denominada ‘processo para intimação para entrega de documentos’. “O ministro pode mostrar o estudo, pode não mostrar ou ficar calado. Em termos políticos, a única coisa que lhe fica bem é revelá-lo.”
INDEPENDÊNCIA DO TRABALHO
Sobre a existência do documento, afirma acreditar nas palavras do governante. “Se o ministro diz que existe, quero saber onde está, quem o fez e o que nele consta, mas não estou à espera de um estudo qualquer. Quero um feito por alguém que não tenha sido nomeado por ele.”
Isto a propósito das declarações públicas de Alberto Costa, designadamente na Assembleia, sobre os seus autores. “Os resultados que nos foram apontados como estimativas resultam de um gabinete [Política Legislativa e Planeamento] que existia à nossa chegada ao Ministério, dirigido por uma personalidade que não fomos nós que seleccionámos ou designámos.”
REACÇÕES
ANTÓNIO MARTINS, JUIZ
“Não sei se existe, mas se existir e se se confirmar que é um estudo de merceeiro, então confirma-se que houve populismo do Governo no que respeita às férias.”
ANTÓNIO CLUNY, MAGISTRADO MP
“Neste momento não interessa se existe ou não, porque há uma desarticulação de tal ordem entre os períodos de férias que os tribunais vão ficar paralisados.”
NÚMEROS DO SECTOR
2 - meses era o período de férias de Verão dos tribunais
1 - mês de férias judiciais, de acordo com a nova legislação
10 - por cento a mais de produtividade, diz o estudo
342 - é o número de tribunais existentes no País
1800 - juízes destacados nos tribunais de todas as instâncias
9300 - funcionários ao serviço da Justiça
In CM
Outros estudos:
edit post

Comments

1 Response to 'Estudo fantasma dá à "Costa"'

  1. Anónimo
    http://lexfundamentalis.blogspot.com/2006/04/estudo-fantasma-d-costa.html?showComment=1144968240000#c114496824667289730'> 13 abril, 2006 23:44

    sim esse gajo só pode ser um fantasma que ainda não encontrou o caminho certo para o inferno!