Nunca a função pública foi tão amplamente vexada, humilhada, acusada, imagine-se, pela boca daqueles que criaram o monstro.
Fala-se de privilégios, benesses, sistemas de isenção e alforrias que o triste cidadão, do sector privado terá de pagar.
Apresenta-se os funcionários públicos como um nicho de figuras sinistras, avessas à modernidade que numa atitude vampiresca vão sofregamente bebendo os já exauridos recursos do Estado.
Esse discurso político é para o gáudio do povo e de um punhado de intelectuais esquerdistas, que vivem e sempre viveram na míngua do subsídio ou do afago ao ego narcisista. A retórica é a mesma.
Mas, ostensivamente ignora o seguinte: Os políticos que hoje reclamam o emagrecimento da função pública infestaram-na de quadros políticos e técnicos medíocres, inexperientes e inábeis.
São essas criaturas de confiança política e não os funcionários de carreira que emanam, em cada ministério, directrizes.
São os outsiders que manipulam a máquina. O tecido gorduroso da função pública situa-se na Administração Regional e Local.
Esse crescimento permitiu aos diferentes actores da política ascender a palcos cada vez mais importantes, sedimentar o seu poder pessoal e da força política que o sustentava e, muito naturalmente, instituir uma certa paz social.
É verdade que os parcos vencimentos da função pública (nomeadamente da Administração Local), a falta de incentivo à produtividade, o emaranhado do tecido legislativo, a permeabilidade ao compadrio político e a cristalização das carreiras pode, eventualmente, conduzir à desmotivação e a um certo absentismo.
São as perversões criadas pelos outsiders que no facilitismo das nomeações dos boys, conduziram a este estado de coisas.
Mas o cenário está longe de ser cataclísmico. Cataléptico é a desmemorização dos políticos vestindo a pele de damas virtuosas e honradas olvidam-se dos seus pecadilhos de alcova, não pedindo a responsabilização dos agentes da desgraça, mas sem qualquer pudor pedem a responsabilização dos juízes por decisões não acertadas.
Não tem qualquer pejo em apagar direitos adquiridos dos funcionários judiciais, mantendo os deveres especiais, designadamente, as colocações oficiosas que cerceando a liberdade de escolha do indivíduo, obrigando-o a ir para aonde a Administração entende, sem qualquer contrapartida financeira. São desenraizados das suas origens, família e do seu meio.
São autênticas deportações administrativas que não têm paralelo em nenhum segmento da função pública.
Isto não faz manchete, não abre os noticiários, nem entusiasma figuras sacrossantas das finanças ou multidões ululantes que bebem os discursos da rentrée política.
De facto, certa comunicação social está despudoradamente rendida aos senhores do poder, elucidativo dessa adulação embevecida é como são branqueadas certas políticas, nomeadamente as avultadas verbas que o Ministério da Justiça entrega a grupos imobiliários (depois da alienação dos imóveis), ao aumento exponencial dos montantes para fazer face ao apoio judiciário, peritagens, pagamentos a liquidatários, sem as devidas contrapartidas devidas para os utentes.
Encomenda-se estudos a observatórios, fala-se de falta de produtividade dos tribunais, mas ostensivamente ignora-se a endémica carência de recursos humanos, o parque informático obsoleto, a ausência de formação de magistrados e funcionários, a necessidade imperiosa de reformular alguns procedimentos legais e de processado.
São estes os factores que têm provocado a erosão da arquitectura do edifício judiciário É evidente que os funcionários públicos têm a noção do Estado da Nação, conseguem sem dificuldade alguma cartografar os seculares problemas e perceber que é necessário algum sacrifício. Mas, estão cépticos.
Os que hoje são arautos da contenção do défice, foram os esbanjadores de ontem.
É preciso expurgar os boys do sistema e fazer a reforma por dentro, com os próprios quadros da função pública.
È necessário acabar com os saltimbancos, os engenheiros gestores, os militares directores, os funcionários partidários consultores, senão, continuaremos a inaugurar bombas de gasolina em Moçambique ou a dar mergulhos exóticos em Cabo Verde, depois de se entregar uns microfones.
E depois, claro, no Tribunal do Santo Ofício dos média culpar a função pública!
RUI CAIRES
In DN (Madeira), 4-11-05, via JUSTITIA (Blog dos Oficiais de Justiça)
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