Por proposta do sindicato, há muito que os funcionários judiciais fazem greve de zelo. Não trabalham depois das 17h30, já que não lhes pagam horas extraordinárias. Este é o princípio. Mas nem sempre se cumpre. Frequentemente as audiências de julgamento prolongam-se e os funcionários acabam por fazer horas a mais gratuitamente.
Embora a criminalidade se torne cada vez mais complexa e sofisticada, bem como os meios para a combater, no Tribunal da Boa-Hora, os funcionários queixam-se da falta de formação que os habilite a fazer face às novas realidades de forma mais competente e informada.
Na Boa-Hora, os funcionários judiciais trabalham em gabinetes pequenos, rodeados de processos de muitos volumes, de pastas e de armários. Como o espaço escasseia, é vulgar ver pilhas de processos no chão, em cima de secretárias ou de cadeiras. Com as temperaturas elevadíssimas que se fazem sentir no pico do Verão, abrem as janelas por causa do calor e depois têm dificuldade em trabalhar por causa do barulho dos carros. Passam nos corredores do tribunal a empurrar carrinhos cheios de documentos. Percorrem os pátios e as escadas e esperam pelos juízes e pelos advogados. E são poucos para dar resposta a tantas solicitações. Só nas primeira e segunda varas, faltam seis funcionários, revelam, em declarações ao PÚBLICO, sempre sob a condição do off. "Veja lá, que precisamos do emprego", dizem .
Outros referem outro problema durante a reportagem fotográfica: "Não quero ser fotografado", pede um. E explica: "Já me basta que me conheçam aqui... há dias, apanhei um táxi e o motorista perguntou-me: "Não trabalha no Tribunal da Boa-Hora?" Isso já me chega."
Durante as férias judiciais, apesar de não se realizarem julgamentos, os funcionários judiciais continuam a trabalhar de modo a dar resposta aos processos urgentes.
No Verão, por vezes, apenas eles se encontram nos tribunais. Numa das secretarias junto ao pátio principal do tribunal, os funcionários trabalham em secretárias encostadas umas às outras rodeados de dossiers. Um procurador pede informações sobre um processo e procuram orientar-se no meio da documentação disponível.
Com ar apressado, outra funcionária afixa um edital na parede do corredor. Diz respeito a uma realidade banal na Boa-Hora: a dos arguidos que não se apresentam em julgamento, os "contumazes". Diz o texto: "O dr. Carlos Berguete, juiz de direito, faz saber que, no processo comum (...) pendente neste tribunal contra o arguido (...) é o mesmo notificado por esta forma para se apresentar em juízo dentro do prazo de 30 dias, contado da data da afixação do último édito, sob pena de não o fazendo ser declarado contumaz nos termos do disposto do art.º 335.º n.º1 e 2 do CPPenal."
Depois tira a capa negra, que traz sobre os ombros, que o tempo é curto para almoçar.
in Público (edição impressa), via Verbo Jurídico
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