Faz hoje oito dias que o serviço público de televisão organizou um debate sobre o serviço público de justiça. Subjacente estava a tomada de posse do novo Procurador-Geral da República e a ocorrência serviu de bom pretexto para um bom debate.
Curiosamente, poucos foram os ecos do que aí foi dito por alguns dos intervenientes. Percebe-se mal porque se as expectativas eram baixas foram claramente superadas e se eram altas foram atingidas. Merecem destaque e pedem reflexão três notas.
A primeira prende-se com a ideia de que a justiça não foi tema mediático durante anos, aí residindo parte do visceral atavismo do domínio. Costa Andrade chegou mesmo a citar o adiamento da discussão do Código Penal na AR, 150 anos depois do velho, por na véspera ter surgido um assunto qualquer e seguramente menor que entreteve os deputados de todas as bancadas. A verdade é que, para lá do fascínio dos políticos por matérias voláteis e consumíveis nas horas seguintes, a justiça tem imensas culpas no cartório. Primeiro, porque recusou sempre ser tema da sociedade por entender que dessa forma seria tema da praça pública – insuportável para a ideia de intocabilidade, sobretudo dos juízes, e da insusceptibilidade de discussão, fora dos seus próprios locais, do que quer que fosse. Depois, porque com a mudança geracional se passou para o extremo oposto, traduzindo-se em aparições diárias dos protagonistas, fossem eles do MP, fossem eles da magistratura judicial. O salto foi tal e com tamanha falta de senso que o que antes não se discutia passou a ser visto como um cansativo motivo de discussão.
A segunda nota reporta-se à afirmação de Laborinho Lúcio segundo a qual o sistema de justiça nunca se preocupou com o povo mas sim com ele próprio. Daí decorre, segundo o próprio, a inexistência de uma cultura de relação com os cidadãos. De tão óbvia a constatação, quase se desvaloriza a sua razão e o bem fundado dela. Na verdade, aqui, o que a justiça fez mais não foi do que importar o modo como a administração sempre agiu para com os cidadãos: praticar uma cultura de administração – autoridade em lugar de exercer uma cultura de administração – serviço. A cultura que faz com que os cidadãos a ela se refiram com letra maiúscula quando não existe a menor razão para não ser tratada com letra minúscula. De resto, da maior parte dos seus serviços, não ficará mais do que o espaço de uma nota de rodapé.
A terceira reflexão tem que ver com outra afirmação de Costa Andrade. Diz ele, outra vez, o evidente mas que importa que seja dito: tudo, praticamente tudo, mudou na justiça com o 11 de Setembro. Principalmente em sede de justiça criminal. Não se pode continuar a ver a justiça e os seus problemas como se tivesse ocorrido o 11 de Setembro em todo o lado menos na própria justiça. Sobretudo quando se sabe o que o criminalista notou – foi atingido e ferido de morte o paradigma iluminista da intocabilidade dos direitos fundamentais. Por outra porta regressou este perigo.
Para além de tudo, o debate mostrou, ainda, uma realidade que perpassava mas tendia, com pudor, em não se despir. Os tempos, os "timings", entre a visão política e a visão técnica são completamente diferentes. A propósito do pacto para a justiça, independentemente da fraqueza e da vaidade, um pouco ingénua, dos homens, ficou patente que os "tempos" dos políticos não coincidem com os "tempos" dos técnicos ou dos cientistas. São muito mais rápidos aqueles e muito mais lentos estes. E como os partidos estão fechados aos contributos técnicos, estes queixam-se e aqueles encolhem os ombros.
"Debilidades técnicas" lhe chamou o professor, por referência ao pacto. "Perfeccionismos inúteis" pensarão os políticos que o fizeram.
Sempre tão perto e sempre tão longe.
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