Hélio Bernardo Lopes *Tudo foi funcionando aparentemente bem no Sistema de Justiça, dado o mesmo nunca ter tocado gente da classe política. E, para mal dos portugueses, o seu grande desinteresse pela vida política e a sua histórica fraqueza moral, acabaram por levá-los a esta escolha de aparente segurança contra os extremismos: a sucessão PS, PSD, PS, PSD,... O resultado foi a aquisição de um espírito de impunidade, com as respectivas consequências suportadas em apoios recíprocos.Acontecem, por igual, duas outras características que são fatais: o isolamento que resulta da localização geográfica do País e a sua diminuta extensão, que determinou um quase universal conhecimento dos portugueses entre si. Aspectos que vieram a ter consequências gravíssimas no funcionamento, nos resultados e na imagem do Sistema de Justiça.
O primeiro grande susto criado à classe política pela aplicação das regras a cuja luz se move o Sistema de Justiça foram os casos Melancia e Beleza. Lembro-me muito bem do estrondo causado na sociedade portuguesa pela detenção do primeiro e pela indiciação da segunda, para mais em dias sucessivos. Pude ouvir amigos meus, por acaso filiados no Partido (designado de) Socialista, ameaçarem que o povo viria para a rua se uma tal acção calhasse a atingir outras personalidades do partido! Uma realidade que mostra como os mais correntes cidadãos acabam por não conceber que o Estado de Direito possa funcionar de modo pleno. Não lhes interessava saber se os indícios eram ou não verdadeiros, mas se quem era tocado pertencia às direcções dos clubes políticos por que costumavam optar nas escolhas eleitorais.
Quase de imediato, pude assistir a uma intervenção de Cavaco Silva, então primeiro-ministro, sobre a sua crença, apresentada de um modo veemente, de que Leonor Beleza estaria inocente e seria uma pessoa de bem, o que foi por todos considerada uma intervenção inoportuna. E recordo, por igual, o Presidente Mário Soares, naquela sua entrevista ao Expresso, onde afirmou, de um modo peremptório, que Carlos Melancia estava inocente, o que foi também tomado como algo de inapropriado num Estado de Direito, onde se espera que esteja presente a separação entre poderes.
Foi o início da destruição do Sistema de Justiça, para mais com a saga das FP 25 a decorrer, e que se viria a transformar em mais um dos seus marcos negros. Depois de desmanteladas e condenadas em Monsanto a penas muito pesadas, na sequência de crimes de todo o tipo, o julgamento veio a ser anulado e mandado repetir. O saldo foi que, afinal, ninguém foi condenado a não ser os que tinham colaborado com as autoridades no desmantelamento daquelas organizações criminosas! Hoje, como estou realmente convencido, todos os que assim procederam terão já compreendido que a sua boa vontade não terá valido a pena. Ficou o exemplo a não seguir...
No entretanto, o caso Camarate continuava a marcar passo, depois daquela infeliz tentativa de muitos assacarem aos comunistas a responsabilidade do atentado. Hoje, como já todos terão percebido, ninguém na vida das instituições do País tinha interesse na continuação de Francisco Sá Carneiro na vida política. Era extremamente incómodo e tinha essa característica de arrastar uma imensidão de portugueses atrás de ideias que nunca tinham sido experimentadas. De facto, ele nunca chegou a governar.Causou, pois, o mesmo tipo de medo que havia causado Kaulza de Arriaga, à beira da sua libertação de Caxias, quando se aproximava a primeira eleição de Ramalho Eanes. O próprio Costa Neves, então no Conselho da Revolução, por vezes diversas se encontrou com o general naquele forte, onde se terá mesmo pensado na sua saída temporária do País, o que Kaulza nunca aceitou.
O Sistema de Justiça, depois destes casos, nunca mais deixou de ser atacado, embora ainda a um nível baixo. Para tal terá contribuído a presença, ainda forte, da Revolução da Abril, não tendo até aí o Partido (designado de) Socialista ajudado à destruição da Constituição de 1976, através das mil e uma revisões que foram depois sendo feitas. Hoje, depois do tal sismo social de grau sete, que foi o caso Casa Pia, tudo se tornou diferente. É a fase deste dito Pacto para a Justiça...
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