O tratamento judicial das empresas inviáveis é exemplo da divergência entre o que a economia exigiria e o que a justiça e o sistema judicial têm para oferecer. Há muito que digo que num contraste desolador com a natureza, onde nada se perde e tudo se transforma, nos processos judiciais de falência tudo se perde, porque nada se transforma.
Secularmente concebidos como procedimentos para liquidação de patrimónios em benefício dos credores, os processos de falência, agora redenominados processos de insolvência, continuam a não conseguir servir simultânea ou principalmente qualquer finalidade de reaproveitamento do conjunto de bens e factores de produção afectos a um projecto empresarial entrado em dificuldade ou em colapso. Bem pelo contrário, a impenitente atracção legislativa para entregar sempre o assunto aos tribunais, numa solução de "fim de linha" assim sujeita a paradigmas processuais que só funcionam numa lógica retrospectiva e no respeito das liturgias seculares que caracterizam a existência do actual sistema judicial, que chega a preferir desconsiderar a realidade material subjacente para privilegiar o rigor burocrático e os juízos com correcção formal, tornou estéreis todas as mudanças legais tentadas nos últimos anos.
Assim sucedeu também com o Código da Insolvência, aprovado há um par de anos, como putativa grande reforma, hoje convertida em insolência legislativa e outro caso em que alguns bons juristas supuseram que o mundo pode ser mudado só com a edição do Diário da República.Muito diversamente, a intervenção e o tratamento dos projectos empresariais entrados (ou apenas a entrar) em dificuldade deveria começar muitíssimo antes, com outra solução institucional e com outra orientação. Preferindo-se a prevenção à reacção e o pronto reaproveitamento de activos à liquidação patrimonial, é concebível que uma estrutura orgânica pública ou semipública (juntando Estado, associações empresariais, sindicatos e outras entidades), realizando estudos sistemáticos de carácter prospectivo sobre o alcance das mudanças económicas, sociais e geopolíticas nos diferentes sectores da economia, aponte como intervir precocemente, em ajuda "forçada" que ocorra logo depois dos primeiros sinais avisadores de deterioração de um projecto e bem antes do usual trecho da gestão irracional das dificuldades e do calvário que, por evitável alastramento, acaba por também atingir trabalhadores, fornecedores, financiadores, o Estado e mesmo concorrentes. Esse é o tempo e a circunstância em que ainda é possível reorganizar a unidade empresarial ou reafectar prontamente os seus bens para que continuem a ter utilidade económica. Ganharia a Economia e também os credores e perderiam, justamente, os necrófagos que vivem das falências intermináveis.
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