Um despacho da ex-ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, que em 2003 impediu o acesso de milhares de funcionários públicos às reformas antecipadas está a ser declarado "ilegal" pelos tribunais. Vários casos de afectados já chegaram aos tribunais superiores, que têm dado razão aos trabalhadores, obrigando o Estado a declarar aposentações antecipadas com efeitos retroactivos. Logo que o Supremo Tribunal Administrativo profira uma terceira decisão com o mesmo teor, esta posição jurídica passa a valer para todos os funcionários, mesmo os que, de entre os cerca de 15 mil requerentes, não recorreram à Justiça.
O caso remonta a 2003, ano em que o Governo liderado por Durão Barroso anunciou cortes drásticos nas pensões e alterações no cálculo das reformas, para travar o crescimento da despesa pública. Cerca de 15 mil funcionários do Estado com 36 anos de serviço correram então a tentar a aposentação antecipada, mas esbarraram num duro obstáculo. Para obter a reforma não eram suficientes os 36 anos de descontos e a declaração do responsável máximo hierárquico de que a reforma não significaria "prejuízo para o serviço". Era obrigatório, ainda, que nos dois últimos anos não tivesse havido aumento de pessoal no serviço em causa.
Decreto de 1985 é que vale
Os funcionários públicos foram vendo recusada a aposentação e contestaram esta exigência, alegada pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), com base no despacho da ex-ministra Ferreira Leite. Seguiram a via judicial, defendendo que só deveria ser aplicado o disposto num decreto-lei de 1985 - os 36 anos de serviço e a inexistência de prejuízo para o serviço.
De acordo com Bettencourt Picanço, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Estado, inicialmente, os "tribunais de primeira instância deram razão ao Estado". Mas quando o caso chegou aos tribunais superiores "a orientação virou-se no sentido de dar razão aos trabalhadores", posição que se tem mantido nos últimos casos concretos decididos por esses mesmos tribunais.
"Só é necessário um terceiro acórdão do Supremo Tribunal Administrativo com a mesma posição, para haver fixação de jurisprudência e a interpretação valer para todos", explica ao JN.
A última decisão conhecida sobre o assunto das reformas antecipadas pedidas em 2003 é do Tribunal Central Administrativo Sul, que recorda o facto de o despacho não ter sido publicado em Diário da República, sendo, por isso," juridicamente ineficaz". Abordando o caso de uma funcionária do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, concluem os juízes que "o despacho em questão se configura como ilegal, porquanto a margem de discricionariedade que visa preencher [a verificação de existência, ou não, de prejuízo para o serviço] foi originariamente conferida aos departamentos onde os funcionários e agentes requerentes prestam serviço". Além disso, a CGA não pode "controlar" a admissão de funcionários.
O processo é ainda passível de recurso para o Supremo, que se tem pronunciado no mesmo sentido. Não existem números totais de funcionários que viram recusada a reforma antecipada no final de 2003, mas não é de excluir que uma parte considerável dos trabalhadores tenha obtido a reforma posteriormente, sem recurso à via judicial.
Lei de Ferreira Leite tinha sido declarada inconstitucional
O polémico despacho assinado pela ex-ministra Manuela Ferreira Leite já não está em vigor, uma vez que, em 2004, foi revogado o decreto-lei que procurou regulamentar - o decreto-lei 116/85 - e imposta nova legislação. Mas o certo é que abrangeu os cerca de 15 mil funcionários públicos que, na altura, tentaram a reforma antecipada, com o fundamento de terem 36 anos de descontos. O despacho que tem vindo a ser declarado ilegal pelos tribunais surgiu na sequência da declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal Constitucional, de uma lei que pretendia instituir as mesmas normas que vieram a ser consagradas, em documento interno do ministério, por Ferreira Leite. O actual Governo, no âmbito da reforma do Estatuto da Aposentação, está a definir normas com entrada progressiva em vigor até 2014. Estão previstas penalizações para pedidos de reforma antecipada relacionadas com a idade dos funcionários públicos e o aumento de exigência do número de anos de serviço.
In JN
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2 Response to 'Reformas Juízes declaram ilegal decisão de ex-ministra'

  1. xavier ieri
    http://lexfundamentalis.blogspot.com/2006/08/reformas-juzes-declaram-ilegal-deciso.html?showComment=1155938760000#c115593878864198472'> 18 agosto, 2006 23:06

    A afirmação de que a 1ª instância deu razão ao Estado não é totalmente verdadeira.
    Houvem quem, na 1ª instância, em casos concretos, tivesse dado razão aos cidadãos.

     

  2. xavier ieri
    http://lexfundamentalis.blogspot.com/2006/08/reformas-juzes-declaram-ilegal-deciso.html?showComment=1155938820000#c115593883738763689'> 18 agosto, 2006 23:07

    Correcção de erro: "Houve"