Certamente me perdoará o Mmº Juiz Joel Timóteo Ramos Pereira, mas mais uma ver publicarei aqui um post da sua autoria, na integra, pelo mesmo tratar uma pequena parte do mais importante "documento" para o ano de 2006, regulando de forma directa e indirecta a "vida" portuguesa. Assim, transcreve-se do Verbo Jurídico Blog o seu conteúdo:
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«As novas técnicas legislativas de incluir normas escondidas em diplomas com outras finalidades, são merecedoras do devido reconhecimento, quiçá com uma medalha da Exposição Internacional de Invenções. Aqui se reproduzem duas delas, insertas na Lei de Orçamento de Estado para 2006 [Lei n.º 60-A/2005, de 30.12]:
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ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DAS CUSTAS JUDICIAIS
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Artigo 94.º
Alteração ao Código das Custas Judiciais
Os artigos 40.º e 131.º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 91/97, de 22 de Abril, pela Lei n.º 59/98, de 25 deAgosto, e pelos Decretos-leis n.os 304/99, de 6 de Agosto, 320-B/2000, de 15 de Dezembro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, e 324/2003, de 27de Dezembro, e pela Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto,passam a ter a seguinte redacção:.
«Artigo 40.º[…]
(...)
6 — Nas execuções por custas, nos processos em que a parte vencedora seja isenta ou dispensada do pagamento de custas ou não seja representada por advogado ou solicitador e nas acções que terminem antes de oferecida a contestação ou sem esta, a procuradoria reverte, a partir de 1 de Julho de 2006, para o Cofre Geral dos Tribunais, entrando na conta final.
7 — (...)
Artigo 131.º
[...]
1 — Revertem para o Cofre Geral dos Tribunais:
(...)
h) O produto da coima cobrado por via judicial, independentemente da origem do respectivo processo de contra-ordenação, salvo se constituir receita das Regiões Autónomas, do orçamento da segurança social das autarquias locais ou percentagem a que por lei tenha direito o autuante, o participante ou outra entidade.
2 - (...)
9 - As receitas previstas na alínea d) do n.º 3 e no n.º 4 deixam de reverter a favor dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça a partir de 1 de Julho de 2006»
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CAPÍTULO XIII (DA LOE 2006)
Incentivos excepcionais para o descongestionamentodas pendências judiciais
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Artigo 66.º
Incentivos à extinção da instância.
1 — Nas acções cíveis declarativas e executivas que tenham sido propostas até 30 de Setembro de 2005, ou que resultem da apresentação à distribuição de providências de injunção requeridas até à mesma data, e venham a terminar por extinção da instância em razão de desistência do pedido, de confissão, de transacção ou de compromisso arbitral apresentados até 31 de Dezembro de 2006, há dispensa do pagamento das custas judiciais que normalmente seriam devidas por autores, réus ou terceiros intervenientes, não havendo lugar à restituição do que já tiver sido pago nem, salvo motivo justificado, à elaboração da respectiva conta.
2 — Quando a extinção da instância prevista no número anterior se funde em desistência do pedido, o valor deste é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS que aufiram rendimentos da categoria B e possuam contabilidade organizada.
3 — Para efeitos do número anterior, não é atendida a dedução, alteração ou ampliação de pedido ocorrida depois de 30 de Setembro de 2005.
4 — Ficam excluídas do disposto no n.º 2 as acções sobre créditos que envolvam entidades entre as quais existam relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC.
5 — Em sede de IVA, há lugar à dedução do impostoincluído nos créditos reclamados:
a) Nas acções referidas no n.º 1 de valor inferior a € 10 000, quando o demandado seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;
b) Nas acções referidas no n.º 1 de valor inferior a € 7500, quando o demandado seja sujeito passivo com direito à dedução.
6 — Nas situações previstas na alínea b) do númeroanterior, deve ser comunicada aos demandados a anulação do imposto para efeitos da rectificação da dedução inicialmente efectuada.
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Artigo 67.º
Extinção e não instauração de acções executivas por dívidade custas, multas processuais e outros valores contados
1 — É extinta a instância nas acções executivas por dívida de custas, multas processuais e outros valores contados instauradas até 30 de Setembro de 2005 quando, cumulativamente:
a) Não tenham sido instauradas ao abrigo do n.º 3 do artigo 116.º do Código das Custas Judiciais;
b) Não respeitem a multa decorrente de condenação por litigância de má fé;
c) Não tenham de prosseguir para a execução de outra dívida;
d) O seu valor seja inferior a € 400,
e) Não tenha sido realizada a penhora de bens.
2 — Não são instauradas as acções executivas de dívidas por custas, multas processuais e outros valores contados cujo prazo para pagamento voluntário tenha decorrido até 30 de Setembro de 2005 e relativamente às quais se verifique, com as devidas adaptações, o disposto no número anterior.
3 — Salvo motivo justificado, não há lugar à elaboração da conta de custas dos processos extintos nos termos do n.º 1."
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COMENTÁRIOS
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1. Quanto ao art.º 40.º, n.º 6 do CCJ, o número agora aditado apenas onera a parte vencedora do processo. Na verdade, não faz sentido que uma parte instaure uma acção, a mesma não seja contestada ou termine antes de esta ser oferecida, e a parte vencedora tenha que suportar a procuradoria a favor do Cofre Geral dos Tribunais - que não é administrado pelos Tribunais, mas sim pelo Ministério da Justiça.
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2. E no que se refere às execuções por custas, esquece (ou ignora?) o legislador que actualmente existem execuções por custas instauradas pela parte vencedora de um processo que, com direito a receber custas de parte tem que percorrer o calvário executivo para obter da outra parte o reembolso das custas que a parte vencedora pagou e que o Estado desde logo se apropriou ? Nesses casos faz algum sentido que essa parte, que tem o encargo adicional de instaurar uma execução, veja a procuradoria reverter a favor do CGT ?
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3. A al. h) do n.º 1 do art.º 131.º tem tantas excepções na sua previsão que acabará por ser de aplicação meramente residual - se é que alguma vez será objecto de aplicação.
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4. É curioso também observar que, de acordo com o art.º 131.º, n.º 9 do CCJ, agora aditado, apesar de ter sido uma bandeira dizer que os cidadãos que recorrem à justiça estavam a suportar o regime dos SSMJ, sabendo que agora se impunha que esse ónus fosse então reduzido, face à exclusão de uma grande parte dos seus beneficiários desse sistema, o governo apenas exclui que parte dessas receitas sejam encaminhadas para os SSMJ, mas continuam os cidadãos a ter que suportar os elevados custos de um processo judicial, sem que a medida que apenas serviu para produzir afronta, tenha tido qualquer benefício real para os cidadãos. Estes, vão continuar a ter que suportar uma justiça excessivamente onerosa, as receitas das taxas de justiça continuam a reverter em parte para os SSMJ e para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e o restante é entregue para o bolo da administração geral do Ministério da Justiça que, assim, pode contratar mais assessores e assessoras para acompanhar o sítio da internet do MJ, auferindo um vencimento superior ao de um Juiz de Direito de Primeira Instância. Excelente estratégia favorecedora dos interesses ... (de quem ?)
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5. Medidas de descongestionamento ? Nas acções enunciadas no art.º 66.º, n.º 1 da LOE 2006, não existe um real incentivo à realização de transacções, desde logo porque embora se preveja que não há lugar ao pagamento das custas que estejam em dívida (que em regra são nulas ou de valor diminuto, porque as taxas de justiça e os preparos para despesas são pagos antecipadamente da prática dos actos processuais), excepciona o preceito que não há lugar à restituição do que já tiver sido pago. Isto significa que as partes não podem verdadeiramente estabelecer um acordo quanto a custas, e se os encargos suportados por uma parte forem desproporcionais relativamente a outra, ficará extremamente prejudicada com a celebração de uma transacção e, por conseguinte, ao invés de a aceitar, será tentada a não aceitar qualquer acordo ou postergá-lo para o ano seguinte de 2007, assim conduzindo não a um descongestionamento, mas sim a um aumento de pendência e de demora na conclusão dos litígios.
A única vantagem - para a secretaria - é, em regra, a não realização do acto de conta.
Melhor teria sido se fosse prevista uma redução da taxa de justiça global do processo, em caso de confissão, desistência ou transacção, com a repartição das custas de acordo com as regras do processo ou conforme o acordo das partes. Isso, sim, seria um grande incentivo favorável ao descongestionamento.
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6. O artigo 67.º apenas abrange um leque muito reduzido de execuções e desde que não tenha sido realizada penhora de bens. Mais uma vez, não será por esse motivo que os Tribunais ficarão libertos de uma grande quantidade de processos executivos. Não é por esta via que se obtém o tão desejado descongestionamento dos Tribunais, pois tal previsão já foi também inserida no orçamento de 2002 e o resultado prático foi muito reduzido.
No que se refere a esta matéria, veja-se como existem dois pesos e duas medidas, em confronto com a despenalização de cheques sem provisão até € 150,00, conforme muito bem foi analisado em tempos no Blog Ab Surdus (cfr. link).
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