Publicar escutas judiciais vai poder dar pena de prisão até um ano. E para tal nem é preciso que a escutas estejam em segredo de justiça - o que, por norma, criminaliza a publicação de qualquer peça processual ou diligência. Podem até constar em processos judiciais já públicos, como os que estão em julgamento.
Para que o jornalista arrisque prisão basta apenas que os "intervenientes" nas escutas não autorizem "expressamente" a sua publicação. A norma consta, preto no branco, no novo Código de Processo Penal, anteontem publicado no Diário da República . A previsão de "pena de desobediência simples" implica, segundo o Código Penal em vigor, uma pena de um ano de prisão ou multa até 120 dias.
O novo código foi aprovado no Parlamento, com os votos favoráveis do PS e PDS, a abstenção do CDS-PP e os votos contra do PCP, Bloco e PEV. A norma que agora está publicada transcreve na íntegra a que constava no projecto de novo Código de Processo Penal apresentado pelo Governo no Parlamento. No preâmbulo dessa proposta, o Governo explicava-se. A proibição de publicar escutas, fora do segredo de justiça, sem autorização dos "intervenientes", representaria uma "homenagem ao direito à palavra", visando também "impedir a devassa".
Três advogados ouvidos pelo DN criticaram fortemente este novo artigo. Francisco Teixeira da Mota, que tem entre os seus clientes a redacção do jornal Público, considera-o "gravíssimo". "Revela muito pouca consideração do legislador sobre a importância da liberdade de expressão numa sociedade democrática. E, curiosa- mente, são os socialistas que a promovem."
O mesmo jurista acrescenta que a pena poderá sancionar tanto o jornalista que assinar uma notícia trancrevendo ilegalmente uma escuta como o director do respectivo órgão de comunicação, caso se prove ter autorizado previamente a notícia. Ricardo Sá Fernandes fala em "absurdo". "Imagine um processo já julgado e com o arguido condenado. Se ele não autorizar, as escutas não podem ser publicadas. É um absurdo e claramente inconstitucional, por violar o princípio da publicidade dos processos", disse ao DN.
António Marinho Pinto, advogado, fala também numa "restrição grave" à informação. "Dantes, para publicar uma escuta, era preciso um requisito prévio: que não estivesse sob segredo de justiça. Agora são precisos dois: que não esteja sob segredo de justiça e que os próprios autorizem."
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