O Procurador-Geral da República considerou ontem que existe "uma deriva" no sistema de relacionamento entre o Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária (PJ), a que "é preciso estar atento".
Numa intervenção no I Congresso da Investigação Criminal, que ontem terminou no Porto, José Souto Moura explicou que há defeitos de ambas as partes e defendeu, no caso do MP, uma maior especialização dos procuradores e a criação de mais Departamentos da Investigação e Acção Penal (DIAP), sobretudo nas comarcas com mais de cinco mil processos por ano, ou até mesmo um DIAP por comarcão.
Partindo da evidência que Portugal tem um bom "sistema híbrido" no relacionamento entre MP e polícias, o procurador alertou que, na prática, "há um risco da policialização do inquérito", apontando culpas aos investigadores policiais. "O MP cada vez menos dirige os inquéritos e é encarado como excrescência que só vem importunar", disse, acrescentando que a PJ vê muitas vezes os magistrados "como uns empatas".
Mas Souto Moura admitiu falhas no próprio MP: "Há uma sobrecarga de processos que não permite a liderança de todos os processos." E mais grave é que "há um défice de formação específica" nos procuradores, defendendo uma especialização de elementos do MP em investigação criminal. "Quem tiver vocação, deve especializar-se", resumiu.
A situação, analisou, "não é caótica nem catastrófica, mas necessita de ajustamentos", que só serão alcançados "com um diálogo aberto" e uma "cultura diferente" da polícia. A aproximação "é inevitável", disse, usando como imagem que existe entre o MP e a PJ "um casamento para o qual não há divórcio".
Carlos Anjos, presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da PJ (ASFIC/PJ), organizadora deste congresso, concorda que o divórcio não será possível, mas lembrou que em todos casamentos há "fidelidade, neste caso deve ser lealdade, respeito e confiança". Garantiu que da parte dos investigadores da PJ há "total confiança nos magistrados" do MP, mas deixou o aviso: "Exigimos da parte do MP a mesma lealdade".
O congresso, que decorreu quinta-feira e ontem, juntou especialistas das várias áreas ligadas à investigação criminal e foi ontem, no encerramento, definido pelo director da PJ, Santos Cabral, como "um marco histórico", excedendo "todas as expectativas".
A conferência de José Brás, director nacional adjunto da PJ, foi das mais aplaudidas, talvez por a plateia ser constituída em maioria por investigadores da polícia que dirige. Versou o tema "Política Criminal e Sistemas de Coordenação", com José Brás a considerar que o modelo português "é ajustado" na forma como prevê, sobretudo, as relações entre PJ, GNR e PSP. O problema está no seu efectivo cumprimento.
"Há défices, limitações e fragilidades na sua aplicação", apontou, e garantiu existirem "desperdícios com triplicação de custos e encargos", com a PJ "a ver invadidas áreas da sua competência criminal".
As críticas ao MP fizeram então vibrar parte da plateia. José Brás disse que a acção da PJ é por vezes neutralizada por "actuações e práticas administrativas que o Estado de Direito não pode admitir. Muitas vezes, tais actuações merecem complacências e até apoio do MP". O único caminho para resolver este problema é "simples". "Basta cumprir a lei", garantiu.
O congresso ficou ainda marcado pela resposta da PJ à revisão do Plano Coordenador de Segurança. Santos Cabral não tocou no assunto, mas Carlos Anjos foi bastante crítico na intervenção de abertura e também ontem na de encerramento. O conceito de territorialidade, dando mais primazia à PSP e GNR, mereceu a ironia de afirmar que se fazem "OPA claramente hostis" que terão forte oposição por parte da PJ.
In DN
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