Nestes dias em que, independentemente de convicções ideológicas ou, talvez, com o sacrifício delas, há uma marcha inexorável para haver menos Estado e que, por isso, tem de haver mais sociedade civil e mais cidadãos a actuarem no espaço da vida colectiva, vai chegando o tempo de revisitar e, porventura, arredar o que para muitos (ver, por exemplo, Aníbal Cavaco Silva, Enciclopédia Polis da Sociedade e do Estado, vol. 2, pág. 823) será, ainda hoje, o dogma da natureza exclusivamente pública da função de realização da justiça. A este propósito será importante fixar três ideias.
A primeira, para notar que o característico "monopólio estadual do uso da força" para, com soberania, impor a legalidade e a ordem pode compreender diferentes modos de afirmação e que em muitos dos casos trazidos à justiça do Estado essa afirmação se basta(ria) com uma intervenção pública meramente reguladora, certificadora e fiscalizadora.
A segunda, para assinalar que mais de dois terços das acções judiciais actualmente pendentes nos tribunais do Estado correspondem a relações puramente privadas, com origem e razão de existência numa iniciativa privada, que esgotam a sua eficácia e utilidade imediata, sempre e só, no mesmo domínio exclusivamente privado.
A terceira, que é já corolário lógico das anteriores, para salientar que a um espaço maior de participação individual, social e cívica e, portanto, a um novo empowerment, tem de corresponder, também no âmbito da Justiça, uma maior exigência e responsabilização no uso dos recursos públicos, com todas as consequências daí decorrentes, incluindo a económica.
Ora, uma aposta política no reequilíbrio entre a oferta e a procura no sistema judicial, privilegiando uma, tão desejável quanto possível, diminuição do número de processos hoje confiados aos tribunais judiciais, com o fomento das escolhas, livres e voluntárias, pelos emergentes sistemas alternativos e complementares, semipúblicos e privados, com serviços de mediação, conciliação e arbitragem, exige, entre outras medidas, a novidade da introdução de uma verdadeira política económica na justiça.
Política económica que poderia começar pela determinação objectiva de quanto custa à colectividade cada uma dessas acções, de qual é a medida (muitíssimo menor) da contribuição que agora é pedida às partes no respectivo custo e de como se repartem os benefícios individuais e colectivos delas resultantes. E que, depois, enfrentando o incrível absurdo que é a actual tabela de custas (ousando a mudança relevante que as sete grandiloquentes "reformas" do respectivo código nem tocaram) aproveite desta apenas a proverbial circunstância de o sistema judicial ter antecipado em mais de um século o moderníssimo princípio do utilizador-pagador.
In DN
edit post

Comments

0 Response to 'Uma política económica na justiça'