POR JOEL TIMÓTEO RAMOS PEREIRA, JUIZ DE CÍRCULO
IN VERBIS - REVISTA DIGITAL DE JUSTIÇA E SOCIEDADE
Aquilo que era uma verdade com segurança e certeza jurídica resultante do escrito na forma de letra de lei há mais de uma década passou a ser anunciado como fonte de arquivamento de processos judiciais em curso, só porque entretanto surgiu um parecer, subscrito por um Professor Universitário que, apesar de todos os dias se debruçar sobre a Constituição da República, só então perante uma demanda de pronúncia em concreto, a pedido de um dos envolvidos, alvitrou pela inconstitucionalidade de tal diploma por não ter sido observada pelo legislador de então uma simples regra formal.
Mais recentemente, foi o próprio Governo Português que remeteu cinco pareceres subscritos por Professores de Direito Económico/Fiscal, ao Tribunal Constitucional, que tinha sido chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da Lei de Finanças Locais, aprovada pelo Parlamento e que o Presidente da República entendeu submeter à apreciação do Tribunal Constitucional antes da sua promulgação.
Posteriormente, ficou a conhecer-se [Correio da Manhã] que cada um desses pareceres custou € 30.000,00 ao erário público (isto é, aos cidadãos contribuintes). A última edição da revista «Visão» elenca quão profícua é a actividade de pareceres jurídicos, cuja remuneração unitária se situa entre € 10.000 a € 75.000,00.
Afinal, o que são e para que servem os pareceres jurídicos ?
O artigo 525.º do Código de Processo Civil estatui que "os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de Primeira Instância, em qualquer fase do processo". A norma está inserida na secção relativa à "prova por documentos", prova essa que, por não se tratar de documentos autênticos com valor probatório pleno, antes simples documentos particulares, estão sujeitos à livre apreciação pelo Juiz (cfr. art.º 371.º a contrario do Código Civil). Enquanto parecer, não vincula o Tribunal, por se tratar, na prática, apenas de uma opinião sobre determinado direito aplicável.
Foi, todavia, curiosa a percepção que Manuel António Pina teve a propósito dos pareceres jurídicos, opinião que verteu no Jornal de Notícias de 14 de Dezembro:
"Se o leitor um dia for a tribunal, disporá, para defender os seus interesses, das suas provas, documentais e testemunhais, e dos argumentos do seu advogado, a quem pagará para argumentar (ou tão-só esbracejar) a seu favor.
Os argumentos do seu advogado são, pois, interessados e parciais, e ninguém o culpará se ele puxar a brasa à sua (de si, leitor, e dos seus, dele, honorários) sardinha e desdenhar das razões, justas que sejam, que não o favoreçam.
Já se o leitor tiver dinheiro bastante, pode ir mais longe pode comprar a imparcialidade e a independência de um "jurista ilustre" (sim, a imparcialidade e a independência também estão à venda) com títulos que lhe permitam falar "ex cathedra" e de voz suficientemente grossa para impressionar o juiz, supostamente timorato, e influenciá-lo a seu favor em alguma "questão técnica".
É o chamado "parecer jurídico", expressão máxima, em Direito, do princípio medieval da autoridade.
O "parecer jurídico" é, na verdade, um testemunho pago, não sobre matéria de facto mas sobre matéria de Direito, e, independentemente do mérito técnico que tenha, está ferido, por ser pago e ser "ad hoc", de um fundamental demérito moral. Só que estamos a falar de "Justiça" (assim mesmo, com maiúscula) e não de moral, não é?"
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