"Espero que a sentença que me condenou - contra a qual recorrerei - seja o início de um incêndio que acorde as consciências dos súbditos italianos que não tencionem continuar a tolerar a marginalização e a discriminação que parte dos católicos impõe aos ateus, aos agnósticos, aos judeus, aos islâmicos, aos budistas, aos evangélicos, às testemunhas de Jeová e aos de todas as cores que se identificam com religiões diversas da deles." Foi com estas palavras inflamadas que o juiz Luigi Tosti, de 57 anos, reagiu, em comunicado à imprensa, à decisão do tribunal.
Em causa estava a sua recusa, em 9 de Maio deste ano, em presidir a uma audiência numa sala de tribunal em que estava afixado um crucifixo. Julgado a 18 de Novembro por um colectivo de três colegas, Tosti, que invocava a Constituição italiana e o princípio nela consignado de igualdade perante a lei de todos os cidadãos, independentemente da religião, foi condenado, por "omissão de cumprimento de funções", a uma pena (suspensa) de sete meses de prisão (menos cinco meses que o pedido do Ministério Público) e à suspensão de um ano das suas funções.
No comunicado exarado após a sentença, Tosti diz esperar que os quarenta dias necessários para o trânsito em julgado "sejam suficientes para demonstrar a violação do artigo nono da Convenção dos Direitos do Homem" - e cita "Todos têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Direito que implica a liberdade de mudar de religião ou de pensamento, como a liberdade de manifestar a sua religião ou pensamento individual ou colectivamente, em público ou em privado, por meio de culto, de ensinamentos, da prática e dos ritos"
A sentença, cujo prazo para trânsito em julgado decorre ainda (a suspensão de funções do juiz será discutida a 16 de Dezembro no Conselho Superior de Magistratura), suscitou um movimento internacional de repúdio, consubstanciado uma petição iniciada em França através de um site na Internet (http//brightsfrance.free.fr). E está a adensar a polémica existente em Itália sobre a presença de símbolos religiosos nos edifícios públicos (nomeadamente nas escolas) , que suscitou já a intervenção do Papa. Numa homilia, a 15 de Agosto, Bento XVI disse que "é importante que Deus esteja visível nos edifícios públicos e privados, que Deus esteja presente na vida pública, com a presença da cruz nos estabelecimentos públicos."
Note-se que a Itália deixou de ter religião de Estado em 1984. Mas uma circular de 1926, nunca revogada, estabelece a obrigatoriedade da presença de crucifixos nos tribunais (como em Portugal uma lei de 1936 impõe os crucifixos nas escolas). Se a circular em causa é ou não anulada pela Constituição de 1947 é uma das questões em debate.
Um debate que em Portugal não deveria ter lugar, no entendimento do presidente da Associação Sindical de Juízes, Abel Baptista Coelho. "A existência de símbolos religiosos nos tribunais portugueses não faria qualquer sentido o Estado é laico, a administração da justiça é laica. Mas se eu como juiz presido à audiência, se ao entrar na sala do tribunal vejo algo que me parece não conforme, tenho autoridade para a mandar retirar." Ressalvando o seu desconhecimento da situação concreta em Itália, Baptista Coelho considera a punição infligida a Tosti "bastante pesada". E quanto ao embate entre uma lei e a Constituição, lembra que "há revogações tácitas, que não precisam de ser explicitadas."
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