A nova legislação penal conseguiu uma proeza rara em Portugal. Num país onde toda a gente gosta de opinar e no qual, por via disso, nunca há acordo, a nova legislação conseguiu a unanimidade num ponto: ninguém se entende com ela.
Eu sei que poucos sabem como são feitas as leis em Portugal. Sei que poucos conhecem o manto que, ao de leve, vai caindo sobre o processo inicial da sua feitura. Que poucos sonham com o modo e o tempo como as pressões surgem para incluir, alterar ou suprimir. Que poucos pressentem as sugestões do legislador deslocadas por frequentemente descolarem da realidade que é diferente daquela em que essa “entidade” vive. Que poucos imaginam as mantas de retalhos em que ficam as leis depois de cortar, alterar, colar e despachar os normativos. E que poucos se dão conta de que, muitas vezes, na mesma lei se deixa sair pela janela o que se quis impedir que saísse pela porta. Acreditem que são muito mais felizes assim. Por não saberem. Também sei que a primeira pergunta que é feita, por vários sectores e estamentos, face a uma lei é se ela se lhes é aplicável. E a segunda, no caso afirmativo, é a de saber como se foge a ela. De igual modo sei que todos os sectores abrangidos, directa ou indirectamente, por uma nova lei se queixam, resistem, gostam e fomentam a inércia. E que é assim desde há muito e continuará a ser. Como é assim com as leis “velhas” (no sentido das áreas antigas do direito) e assim é com as leis “novas” (que respeitam às novas áreas das regras jurídicas). Sei disto mas não é só disto que se trata aqui ao contrário do que quis fazer crer o PM. Aqui, do que se trata é, também e sobretudo, do facto de não se ter acautelado o tempo para o estudo da nova legislação. E do facto de deverem estar já em aplicação e no terreno determinados institutos previstos, que estão no papel mas ainda não arrancaram. Ao fim e ao cabo, mecanismos de acompanhamento da aplicação da nova legislação e essenciais a este desiderato. É disto que se trata e não do “fogo de diversão” com que o PM pretende esquivar-se perante o silêncio constrangido do senhor ministro que actualmente ocupa a pasta da Justiça.
A maneira atabalhoada como todo este processo foi conduzido é facilmente demonstrada a partir das consequências que imediatamente teve. Pois que, e até independentemente da questão dos prazos que surge como a mais mediática, a ser verdade o que as polícias dizem, ninguém conhece o novo código “que nem sequer está à venda”. A ser verdade o que os funcionários judiciais dizem, “não houve tempo para mandar fazer impressos relativos à nova legislação”. E a ser verdade o que os magistrados dizem, “não existe qualquer uniformidade de critérios e procedimentos” para a sua aplicação. Ora isto parece sintomatologia grave e generalizada. A menos que o PM demonstre estarmos em presença de um enorme “complot” entre polícias, funcionários judiciais e magistrados no qual todos mentem descaradamente, ao mesmo tempo e sem brechas.
No meio desta mata, em que os mosquitos se confundem com as cordas, há ainda a inusitada “função” do PGR de mediar ou ter um papel mediador entre o legislador e os magistrados. No controlo dos danos em sede dos Tribunais e na análise “do que está a falhar”. E, porventura, para evitar o espalhar da convicção, também posta a circular, de que a nova legislação serviu para um “ajuste de contas” de sectores da classe política para com o poder judicial. Só em Portugal é que um ministro inexistente, depois disto, continua sentado na pasta da Justiça. E só em Portugal, com a teimosia do PM, não se reconhece que pior que uma não reforma é uma reforma que se enganou no nome e fez uma revolução. Na qual, como é próprio, não fica pedra sobre pedra. Com a singularidade de ficarem todos para contarem o que viram.
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