"Se, porventura, perdermos esta acção na primeira instância, quero desde já adverti-lo que saiu uma nova lei que o impede de recorrer da decisão do juiz." Esta é um frase que vai passar a ouvir mais vezes da boca do seu advogado quando for concretizada a reforma dos recursos cíveis prevista no Pacto de Justiça.É que o acordo assinado entre PS e PSD prevê o aumento do valor das alçadas dos tribunais de comarca (1.ª instância) e do tribunal da Relação para cinco mil euros e 30 mil euros, respectivamente. O que significa que o número de acções que não admitirá recurso vai crescer significativamente. A ideia do bloco central é tirar as chamadas bagatelas cíveis ("causas menores") da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
A regra nos recursos é que estes só são admitidos quando a acção tem valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. E actualmente a alçada dos tribunais de comarca está fixada nos 3740,98 euros, ao passo que a da Relação é de 14 963,94 euros. Assim, se agora pode recorrer para a Relação de uma acção - como por exemplo uma cobrança de dívidas ou um conflito de demarcação de terras - com valor de 3800 euros ou de 4999 euros, vai deixar de poder fazê-lo quando a reforma entrar em vigor (ainda este ano), pois a alçada da comarca vai passar para cinco mil euros. Se o valor não for acima deste, a acção morre logo ali, na primeira instância.
Mas é nos recursos para o Supremo que a mudança será mais significativa, pois só as causas de valor superior a 30 mil euros lá poderão chegar, quando agora o limite está pouco abaixo dos 15 mil euros. Nada mais nada menos que o dobro. Muitas acções que hoje são apreciadas no STJ vão deixar de passar pelas mãos dos conselheiros. E mesmo aquelas que admitam recurso não entrarão no Supremo se a decisão da comarca e da Relação for a mesma.
Para o sistema é bom
"Para o sistema judicial esta mudança é boa. Os tribunais superiores não podem estar ocupados com bagatelas", disse ao DN Rui Patrício, advogado e sócio da Morais Leitão e Galvão Teles. "No entanto, existem causas de valor reduzido que têm uma importância enorme para alguns sujeitos processuais", rebate, por sua vez, Jorge Langweg, juiz de direito em Tavira. O magistrado entende que PS e PSD deviam seguir outro caminho para alcançar a redução do número de recursos, devendo, antes, agilizar a tramitação processual, dotar os tribunais de mais meios e apertar o cerco à litigância de má fé e à litigância temerária. Também Carlos Soares, sócio da Barrocas Sarmento Neves, concorda com a redução das acções que chegam ao STJ - "esta instância deve funcionar como tribunal de uniformização de jurisprudência", sustentou ao DN. Contudo, este advogado discorda da existência de uma alçada nos tribunais de Comarca porque entende que "todas as acções deviam admitir recurso para a Relação". Os efeitos desta reforma podem ser vistos de duas formas: Objectiva ou subjectivamente. Objectivamente pode até melhorar o sistema, aliviando os tribunais superiores das "causas menores". Mas subjectivamente reduz o leque de oportunidades dos cidadãos verem satisfeita a sua pretensão jurídica.
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