Qualquer que seja a fórmula encontrada no Parlamento para dar seguimento judicial às comissões de inquérito, não terá consequências no processo de Camarate. A opinião é partilhada por dois dos mais conceituados penalistas portugueses. Germano Marques da Silva e Costa Andrade são taxativos - não há volta a dar à lei que permita reabrir o caso nos tribunais.
A hipótese de levar ainda a julgamento a queda do Cessna que, a 4 de Dezembro de 1980, vitimou Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa tem sido levantada na sequência da revisão da lei dos inquéritos parlamentares. Para o PSD, é, aliás, uma intenção expressa. Na última segunda-feira, num almoço com jovens para assinalar os 26 anos sobre a morte de Sá Carneiro, o líder social-democrata, Marques Mendes, defendeu isso mesmo: "Há indícios da existência de crime, mas se houve ou não crime, cabe ao tribunal decidir. O que importa é que seja possível que o assunto vá a julgamento", disse então o presidente laranja, manifestando esperança numa solução consensual entre PS e PSD, que permita ainda este cenário.
Mas para Costa Andrade e Germano Marques da Silva, não há acordo possível entre os deputados que possa resultar neste desfecho. "O processo de Camarate está prescrito, não pode haver nenhuma lei que venha alterar retroactivamente esta matéria", garante Germano Marques da Silva. Qualquer tentativa para o fazer seria inconstitucional, acrescenta, e mesmo que se tentasse mudar a Constituição nesse sentido, isso violaria as convenções internacionais dos direitos do homem. Levar Camarate ainda a julgamento é "absurdo", diz o penalista: "É uma discussão puramente política, não tem nada de jurídico."
Costa Andrade não difere na análise: "Se foi cumprido o prazo de prescrição não há nenhuma possibilidade legal ou constitucional de o alterar. Adoptar uma nova lei que alargasse o prazo seria inconstitucional." Recorde-se que a VIII Comissão Parlamentar de Inquérito a Camarate concluiu pela existência de indícios de atentado, mas a Procuradoria- -Geral da República não deu seguimento ao caso, considerando extinto "todo o procedimento criminal".
No próprio PSD é reconhecida a dificuldade de chegar a um julgamento. "Em termos teóricos poderia haver uma lei que dissesse que o crime não era prescritível, mas é complicado", diz Montalvão Machado, vice-presidente da bancada laranja que tem conduzido os trabalhos do PSD na revisão da lei das comissões de inquérito. "Sob o ponto de vista político, haveria toda a vantagem [em julgar Camarate], mas do ponto de vista jurídico e constitucional é muito complexo", diz o deputado social-democrata. Pelo PS, Ricardo Rodrigues diz que esta é uma questão que "não compete à Assembleia da República, mas aos tribunais", mas sublinha que no "processo penal não há leis retroactivas, sob pena de se violar a Constituição".
A Comissão de Assuntos Constitucionais volta hoje a discutir aquela que se tornou na questão mais polémica da nova lei dos inquéritos parlamentares - definir que seguimento dar às comissões que concluam pela existência de indícios de crime. O PS começou por sugerir a criação da figura de um procurador especial nomeado pela Assembleia da República, uma solução rejeitada por todos os outros partidos e que os socialistas admitem rever. Já o PSD quer tornar obrigatória a acusação pelo Ministério Público, uma fórmula rejeitada pela maioria. Os dois partidos estavam ontem ainda em conversações para chegar a uma solução consensual.
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