Aconselhamento obrigatório ou não para quem abortar? E, afinal, o que quer ao certo dizer aconselhamento obrigatório? Questões que ficam da intensa discussão política do pós-referendo, durante toda a semana passada. Depois das tiradas contundentes mais à esquerda (PS incluído) expressando vontade de fazer uma lei sem a exigência de aconselhamento obrigatório, vieram as palavras fortes de Cavaco Silva, mostrando que o seu papel neste assunto está longe de estar esgotado - a lei que for feita no Parlamento vai ter de passar pelo crivo de Belém.
Sobre este assunto já se pronunciou o Tribunal Constitucional. No Acórdão 617/2006, que em Novembro viabilizou a realização da consulta (autorizando a pergunta) a questão do aconselhamento obrigatório é desde já tratada. O acórdão, da autoria da juíza-conselheira Maria Fernanda Palma (e aprovado por sete votos contra seis), refere, sobre o pós-referendo, que se "afiguram particularmente importantes, por poderem vir a revelar-se bem mais eficazes que a própria repressão penal, medidas comuns à generalidade das legislações europeias". E acrescentava quais poderiam ser essas medidas para evitar o aborto: "Como sejam a obrigatoriedade de uma prévia consulta de aconselhamento, em que possa ser dada à mulher a informação necessária sobre os direitos sociais e os apoios de que poderia beneficiar no caso de levar a termo a gravidez."
No documento apontava-se ainda o "estabelecimento de um período de reflexão" - tal como o PS (adaptando as "boas práticas europeias") vem defendendo.
Concluía então a juíza (repescando argumentos utilizados pelo TC quando tinha permitido o referendo de 1998) que "é bem verdade que estes elementos não constam da pergunta formulada. Todavia (...) não seria possível integrá-los a todos na pergunta sem que esta assumisse proporções inadmissíveis. E nada permite concluir que, em caso de resposta afirmativa no referendo, não possam vir a constar da legislação aprovada na sua sequência".
Para justificar a não inclusão na lei do aconselhamento obrigatório Alberto Martins usou precisamente o argumento de que essa condição não estava na pergunta. A IVG "não pode ser condicionada por qualquer instituição, organização ou orgânica administrativa. Seria, aliás, ilegal", afirmou o líder da bancada do PS na semana passada.No dia seguinte, o presidente da bancada do PSD, Marques Guedes, deixava claro, na defesa do aconselhamento obrigatório, que "se houver moderação por parte da maioria", estariam disponíveis para contribuir para a nova lei.
Ontem, contactado pelo DN, Paulo Rangel, deputado do PSD e jurista, destacou que "Alberto Martins está errado quando diz que a existência de aconselhamento obrigatório defrauda a pergunta feita". O social-democrata sustenta o seu raciocínio precisamente no acórdão do TC. "O TC diz que a pergunta em nada obsta a que se vá por este caminho e até acrescenta que é o melhor."
Ou seja, adiantou Rangel, em vez de na lei estar uma mera consulta obrigatória relacionada com aspectos médicos, o que deve existir é uma consulta em que quem a faz tem de apresentar as alternativas, tem "de ter um efeito dissuasor".
"O PS fala nas boas práticas europeias. Pois na Alemanha o período de reflexão é de três dias precisamente porque há o aconselhamento obrigatório", conclui Rangel. Em França esse aconselhamento é, por outro lado, facultativo, sendo o período de reflexão maior (sete dias).
In DN
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