Um caso que raia o caricato está em julgamento nos juízes criminais do Porto. Uma mulher de 70 anos é acusada de um furto, no valor de 3,99 euros, mas o Estado arrisca-se a gastar centenas de euros para apreciar este processo.
O julgamento devia ter começado anteontem, só que a falta de comparência da arguida fez adiar a sessão para 23 de Maio. E o juiz já informou o advogado que se a arguida não comparecer no tribunal serão emitidos mandados de captura, para ser presente sob detenção na sessão que entretanto vier a ser marcada.
A acusação deste processo foi deduzida pelo Ministério Público, que representa o Estado, e que entendeu ser aquela uma matéria “suficientemente grave” para ir a julgamento. Mesmo sabendo, obviamente, que os custos da acção judicial serão bastante superiores, sendo que aqueles, por a arguida não ter meios económicos, serão integralmente suportados pelo Estado.
ENTREGOU O CREME
Maria (nome fictício) tem 70 anos e actualmente está bastante debilitada fisicamente. O processo onde responde devia ter começado anteontem e remonta a Outubro de 2005, quando a septuagenária, depois de mais uma consulta no Instituto Português de Oncologia, foi apanhada pelo segurança do supermercado Lidl. Maria levava escondido debaixo da roupa que vestia um simples creme de beleza. Custava 3,99 euros, mas como Maria não tinha dinheiro o funcionário obrigou-a a devolvê-lo ao estabelecimento.
Maria assim o fez e em Janeiro deste ano, mais de 14 meses depois do furto, recebeu a acusação do Ministério Público do Porto. Responde então pelo crime de furto simples. Só que a falta de capacidade económica para pagar ao advogado levou-a a solicitar e a conseguir apoio judiciário.
Neste processo, o Lidl também não pede nenhuma indemnização, mas Maria poderá vir a ser obrigada a entregar ao supermercado o valor do produto que tentou roubar.
Anteontem, embora o julgamento estivesse marcado para as 09h30, Maria só apareceu à tarde no juízos criminais do Porto. E depois de contactar vários funcionários, lá conseguiu que alguém informasse o seu advogado de que se encontrava no tribunal.
Foi agora notificada para regressar na próxima sessão, a 23 de Maio, o que, a não acontecer, determinará a detenção de Maria.
ROUBAR UM ALFINETE É QUE NÃO É CRIME
O ano passado, os juízes do Tribunal da Relação do Porto, num processo onde se julgava o furto de uma embalagem de queijo fatiado, no valor de 1,29 euros, disseram que um valor desprezível era apenas o furto de “um palito, um alfinete, um botão, uma folha de papel, um grão de milho ou um bago de uva”. Nesse processo entenderam então que a embalagem de queijo não podia ser comparada a nenhum desses objectos, não podendo ser o valor apelidado de “desprezível”. Revogaram a decisão de um juiz da primeira instância, que considerara que o processo não tinha dignidade para ir a julgamento, por o valor em causa ser “inferior às gorjetas dadas em restaurantes e aos arrumadores de carros das grandes cidades”. Os desembargadores da Relação do Porto disseram que não. Porque, asseguram, Portugal ainda é um “país rural”.
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