Em Portugal também se faz justiça privada. E é um sector em crescimento, em alternativa aos tribunais judiciais. Sem juízes nem procuradores e, na maioria das vezes, com negócios de muitos milhões em litígio. Para os economicamente poderosos, a morosidade da justiça é coisa de pobres. Eles criam os seus próprios tribunais, em qualquer canto, com juízes por si escolhidos, e pagos a peso de ouro. Os chamados tribunais arbitrais são o outro lado da vergonha do sistema.
Um litígio entre duas empresas colocou em disputa 200 milhões de euros. É muito dinheiro e a questão muito complexa. Seria contraproducente recorrer aos tribunais judiciais. Os empresários acordaram então em contratar o advogado José Miguel Júdice para ser ali juiz. Depressa se formou um tribunal arbitral ad hoc. Cada uma das partes propôs um árbitro por si escolhido. As regras do julgamento foram elaboradas em conjunto e decidiram aceitar ambos o antigo bastonário da Ordem dos Advogados para presidir ao processo. Ao fim de um ano o conflito estava sanado.
"E trata-se de uma decisão válida em todo o mundo", lembra José Miguel Júdice, evocando a Convenção de Nova Iorque assinada por mais de 150 países, que reconhece a legitimidade dos tribunais arbitrais. "Um tribunal judicial demoraria cinco ou seis anos a resolver um caso destes", assegura o antigo bastonário.Para o seu sucessor no cargo, "rapidez, simplicidade, confidencialidade, modelação dos próprios procedimentos processuais e especialização", são as razões do sucesso dos tribunais arbitrais, explica Rogério Alves. "Há efectivamente a sensação de que os meios tradicionais de administração da justiça e de resolução de conflitos estão saturados. Portanto, é natural que haja uma maior procura dos chamados meios alternativos de resolução de conflitos."
O Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça diz que entre 1996 e 2004 entraram nos centros de arbitragem de todo o País cerca de 60 mil processos, o que representa uma média anual de 7500, segundo dados apurados até Junho deste ano. Mas aqui são contabilizados todos os casos dirimidos por mediação em centros de arbitragem, nomeadamente nos de consumo, que têm vindo a aumentar ano após ano.
Mas é no silêncio das instalações das grandes sociedades de advogados, onde funcionam centenas de tribunais arbitrais ad hoc, ou mesmo em tribunais arbitrais institucionalizados, como o da Ordem dos Advogados, ou os das câmaras de Comércio de Lisboa e do Porto, ou ainda nos transnacionais de Paris, Londres e Haia (ver P&R), que se resolvem conflitos de milhões de euros.
O tribunal ad hoc mais célebre foi o que dirimiu o litígio entre o Estado português e a administração do Hospital Amadora-Sintra, em 2002, envolvendo 33 milhões de euros (ver caixa em cima). Em Paris litigaram, por exemplo, a Galp portuguesa e a ENI italiana, ou ainda a Seat espanhola e um importador de automóveis português. No Porto litigaram a construtora responsável pela empreitada do metro e a Empresa do Metro, com esta a perder 90 milhões de euros. Os casos conhecidos são poucos. E ninguém viola o princípio da confidencialidade. Aqui, o negócio é a alma do segredo.
In Diário de Notícias
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