No ano em que as férias judiciais diminuíram, as temperaturas aumentaram. E no Palácio da Justiça, em Lisboa, onde não há ar condicionado, os juízes foram recebidos no início de Setembro com temperaturas acima dos 30 graus à sombra. Além do calor, os magistrados ficaram a saber que o amianto – uma substância cancerígena detectada em Dezembro – não existe apenas na cave e na cobertura, mas também em tubagens emparedadas nos corredores que dão acesso às salas de audiência. E enquanto as prometidas obras de fundo não chegam, há pedras a cair, ventiladores parados, casas de banho fora de serviço, elevadores avariados, infiltrações e risco de curto-circuito.
“Há questões gravíssimas de insegurança”, admite ao CM Nuno Sampaio, juiz-presidente do Tribunal, sentado ao lado de uma ventoinha e com o termómetro em cima da secretária a marcar 29,6 graus. “Com esta temperatura tenho imensa dificuldade em trabalhar”, confessa o magistrado, revelando que a questão do amianto “ainda é o que está a correr melhor”. “Segundo as informações que tenho, neste momento não há perigo para a saúde pública”, garante o presidente do Tribunal, explicando que as tubagens da cave já foram todas substituídas e o tribunal está constantemente a ser alvo de medições por parte de técnicos. Os magistrados acreditam nas palavras do presidente, mas não escondem a preocupação, como contou um juiz ao CM. Deixou de fumar há sete anos, exactamente na mesma data em que chegou ao Palácio da Justiça, mas desde então já teve problemas respiratórios, que atribui às condições de trabalho no Tribunal. Apesar de não haver provas de uma relação causa-efeito, o certo é que os juízes não esquecem a morte de três colegas com cancro, dois dos quais trabalhavam no último piso, próximo da cobertura. “Há pessoas completamente em pânico”, disse outro juiz. Reconfortados pelas garantias do juiz-presidente, o maior problema para todos é a falta de ar condicionado, como testemunhou o CM. Segundo contou uma juíza, “os advogados já pedem para não haver marcação de diligências entre Junho e Setembro”. Mas, quando o Inverno chega, o problema inverte-se. É que as caldeiras pouco ou nada funcionam e, mais uma vez, não há ar condicionado para aquecer. Aliás, pelo menos duas juízas já compraram dois aparelhos de ar condicionado portáteis. E é também no Inverno que surgem os problemas das infiltrações, cujas marcas são visíveis em várias secções, designadamente pela ausência de candeeiros onde a água chegou. As prometidas obras de fundo parecem estar para breve. Como já estavam há um ano. O pior é que não há ar condicionado sem a renovação da instalação eléctrica, nem o amianto desaparece de vez sem a substituição da cobertura.
EUROPA PROÍBE AMIANTO
A descoberta de amianto nas tubagens de aquecimento do Palácio da Justiça, em Lisboa, aconteceu no final de 2005, quando ainda era possível a sua utilização em Portugal, como material isolante, apesar de uma directiva da União Europeia, de Junho do mesmo ano, proibir “a colocação no mercado e a utilização” de amianto ou de produtos com as mesmas componentes. Reconhecido como substância cancerígena desde 1960 pela Organização Mundial de Saúde, o Ministério da Justiça não hesitou em determinar o início das obras para a remoção do amianto no Palácio da Justiça. No entanto, além deste Tribunal e do Palácio da Justiça do Porto, foram referenciados mais dez edifícios com amianto, não revelados pelo Executivo.No maior tribunal do País, foi garantido que a substância cancerígena apenas existia nos materiais que revestiam as canalizações de rega, no exterior. No entanto, recentemente, os magistrados tiveram a confirmação da suspeita: também há amianto nas tubagens interiores. Na cave, todos os tubos já foram substituídos, mas a remoção da substância da cobertura está dependente das prometidas obras.
AMIANTO NA ESQUADRA
Em Portugal, vários pais têm manifestado a preocupação com a utilização de amianto nas construções de escolas e vários edifícios públicos. Em Julho deste ano, um agente da PSP, de 40 anos, morreu com um cancro nas vias respiratórias. O polícia trabalhava no 9.º andar de um prédio da PSP, no centro de Lisboa, suspeito de estar forrado com amianto. Também em Bruxelas, em 1991, a descoberta de amianto na sede da Comissão Europeia obrigou ao encerramento do edifício Berlaymont durante mais de dez anos. O contacto com o amianto pode provocar diversas doenças, entre elas cancro do pulmão e insuficiência respiratória. São contraídas através da inalação das fibras que o amianto liberta no ar.
BARULHO DA PRISÃO PREJUDICA
“Já descobri que há aí um recluso que tem o mesmo nome que eu”; “Olha, eu já ouvi chamar por uns que eu mandei prender antes de vir para aqui.” Estes são apenas dois dos mais caricatos testemunhos de juízes do Palácio da Justiça para exemplificar a forma como o barulho do Estabelecimento Prisional de Lisboa invade os corredores do Tribunal. Os magistrados admitem que o ruído “perturba” os julgamentos – há várias salas de audiências viradas para a antiga Penitenciária – principalmente quando há festas na prisão, designadamente no Natal. Mas os magistrados também admitem que, no meio de tantos problemas mais graves existentes no Tribunal, este é um mal menor que até já faz rir. É que os juízes já sabem de cor as horas de recreio e de recolha dos presos. A partir das 17h00, regressa o sossego.
APONTAMENTOS
22 TRIBUNAIS EM UM
O Palácio da Justiça foi inaugurado em Setembro de 1970. Desde então nunca sofreu obras de fundo. Situado no topo do Parque Eduardo VII, em Lisboa, o Tribunal ocupa uma vasta área contígua ao Estabelecimento Prisional da capital. Com cinco juízos e 17 varas cíveis, o Palácio reúne 22 tribunais em um.
CALOR E FRIO
Como não há ar condicionado no Palácio, no interior no Tribunal, no Verão, a temperatura chega a ser superior à do exterior. Já no Inverno, o funcionamento deficiente das caldeiras não consegue fazer frente ao frio.
CARTAS AO MINISTRO
Desde 2004, os juízes administradores do Palácio da Justiça já enviaram, pelo menos, três cartas a diferentes órgãos, designadamente ao ministro da Justiça e ao Conselho Superior da Magistratura, a dar conta das condições decadentes e inseguras do Tribunal. Numa das missivas, os juízes sugeriram mesmo o encerramento do Tribunal, “antes que morra alguém”.
INFILTRAÇÕES E LUZ
O resultado das infiltrações no Tribunal está bem à vista. São várias as secções onde no espaço dos candeeiros estão buracos. E a instalação eléctrica corre risco de curto-circuito.
QUEDA DE PEDRAS
Desde 2003 que existe uma vedação no exterior do edifício. O objectivo é evitar que as pessoas passem perto da fachada, de onde já caíram pedras de mármore de grande volume.
CASAS DE BANHO
Muitas casas de banho do Palácio da Justiça estão desactivadas devido a infiltrações de água, e até de urina, que provocaram a queda de diversos materiais. Por outro lado, a maioria dos ventiladores destinados à renovação do ar também não funciona.
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