Os autarcas reagiram mal à proposta da nova Lei das Finanças Locais. Porque alguns receberão menos dinheiro. Porque não gostam dos limites ao endividamento municipal. Mas também porque o novo regime os irá responsabilizar mais.
A nova lei permitirá às câmaras prescindirem de uma parcela da cobrança do IRS sobre os habitantes do concelho (dos 5% que lhes estão atribuídos, podem abdicar até três pontos percentuais). E as câmaras poderão cobrar mais taxas sobre os serviços que prestam.
Não surpreendeu a reacção dos autarcas. A possibilidade de variar a taxa do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) já existe e é pouco utilizada pelas câmaras. É cómodo não ter o ónus político de lançar impostos e ficar apenas com os louros pela obra feita com o dinheiro deles. Mas uma apreciação séria dos autarcas pelos eleitores não pode limitar-se a avaliar os benefícios dessa obra ou a compará-la com eventuais aplicações alternativas. Tem de incluir, também, a ponderação do seu custo, isto é, do dinheiro que para tal sai do bolso dos contribuintes - tanto quanto possível, do bolso dos habitantes do concelho. Este é apenas um exemplo do clima de irresponsabilidade geral entre nós instalado. Outro exemplo é a aversão visceral dos sindicatos da função pública (incluindo professores) a qualquer modalidade séria de avaliação. Dessa detestada avaliação faz também parte a concorrência, a avaliação pelo mercado. Pôr escolas, câmaras ou funcionários a competir é anátema para muita gente em Portugal. A própria concorrência entre empresas, tão exaltada por empresários quando o comunismo ameaçava, é hoje às vezes combatida por alguns deles quando a competição lhes bate à porta.
Num país que viveu mais de 40 anos com o regime do condicionamento industrial (travando a entrada de novas empresas em sectores onde já existissem unidades instaladas), não espanta que a lei da concorrência de que numerosos empresários e gestores gostariam seja a que exalta o mercado, excepto quando prejudique as suas empresas, que consideram sempre casos especiais.
Atenção: o mercado não recompensa sempre o mérito. Um grande esforço empresarial pode ser destruído em meses por factores que o empresário não controla - como ter-se descoberto algures um novo produto ou um novo processo de produção, tornando obsoleta a aposta desse empresário.
Mas, pelo menos, o mercado castiga geralmente o gestor que não se preocupa com a competição e por isso descura a produtividade. Ora é essa quota de responsabilidade e risco que torna o mercado tão impopular em Portugal. No plano político, vimos o balúrdio que a Câmara de Lisboa terá de pagar a Frank Gehry pelo anteprojecto elaborado para o Parque Mayer. Uma ideia abandonada, por ser financeiramente inviável. Leviandade de Santana Lopes, ex-presidente da câmara, que terá avançado para a caríssima encomenda sem um estudo prévio e a ponderação que o caso merecia. Ou seja, mais uma manifestação de irresponsabilidade na política autárquica.
Mas não só: o facto de os políticos serem eleitos para mandatos relativamente curtos estimula-os a assumirem pesados compromissos que terão de ser honrados pelos seus sucessores. Acontece nas câmaras, onde o presidente que chega apanha frequentemente um susto perante a real situação financeira da autarquia. E acontece também a nível nacional.
Os megaprojectos da Ota e do TGV poderão animar a construção civil durante os próximos anos, com isso beneficiando politicamente os actuais governantes. Mas ameaçam uma factura de pesadelo para futuros governos (factura política, pois o dinheiro sairá sempre do nosso bolso de contribuintes).
Como limitar esta fonte de irresponsabilidade? Através de uma maior atenção de todos nós, eleitores. É verdade que andamos distraídos, pensando sobretudo no imediato e não tanto no longo prazo. Mas há sinais de que a irresponsabilidade política nem sempre consegue escapar impune.
Não parece que a maioria dos portugueses tenha ficado entusiasmada com as prestações camarárias e governativas de Santana Lopes. Por isso ele terá alguma dificuldade em retomar a carreira política interrompida em 2005.
E Guterres, inteligente como é, percebeu há muito que a opinião pública não esquece o desapontamento que teve com a sua passagem pela chefia do Governo. Daí que não se haja candidatado à Presidência da República. A impunidade política tem, afinal, os seus limites. Era bom que fossem mais
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