Sexta-feira passada nasceu um menino. É filho da D.ª Socialista e do Sr. Democrata. Era para se chamar Pacto, mas como os pais tiveram há uns anos um casamento falhado, para esconder o namorico, e talvez por vergonha, chamaram-lhe Acordo. Quem não gostou nada da conversa e ficou roído de ciúmes foi o Sr. Comunista, que tem uma paixoneta pela D.ª Socialista desde a escola primária mas não tem coragem de lhe dizer e passa a vida a chamar-lhe nomes, e o brutamontes do Sr. Bloco, que finje não gostar dela mas que só para lhe agradar e para se armar em fortalhaço, de vez em quanto lá vai à cara do Sr. Comunista, que ainda por cima mora lá na mesma rua. A outra ex-mulher do Sr. Democrata, a menina Popular, essa então ficou piurça. Já não bastava o malandro ter estragado um casório que lhe estava a saber tão bem - ai que saudades dos tarecos que ela tinha lá na casa deles e dos lugares onde ele a levava -, e agora ainda tinha a distinta lata de lhe por os palitos (sim, os palitos, porque a menina Popular, apesar de divorciada, continua a achar que é a mulher da vida do Sr. Democrata). E logo com essa Socialista, que nem a pode ver à frente (houve uma altura em que gostaram uma da outra - há até quem diga que tiveram um caso - mas isso fica mal dizer aqui e também começava a parecer rebaldaria a mais).
Ninguém sabia de nada. A D.ª Socialista com apertos na barriga e o Sr. Democrata com apertos na garganta, tanto tempo a esconder e a disfarçar. E assim é que é, para ver como paravam as modas. Se fosse preciso fazia-se o desmancho e ninguém sabia de nada.
O menino era para nascer uns meses mais tarde, mas por causa de qualquer coisa que não se sabe (ou foi zanga sem importância ou então uma traiçãozita) a D.ª Socialista começou com as dores na quinta-feira e, não vai de modas, na sexta, zás, menino cá para fora. Só deu tempo para avisar as famílias e pouco mais. Foi um ver se te avias de irmãos, avós e primos a correr para tirar a fotografia. Houve alguns que se fartaram de refilar pela calada mas na fotografia ficaram todos bem. O menino é que, coitado, veio feiozito e incompleto (assim à primeira vista, parece que lhe falta um braço, pelo menos) - eu perguntei a um médico meu amigo e ele disse que é de certeza por ser prematuro. Mas isso agora não interessa nada; se nasceu, bonito ou feio, torto ou direito, é para criar, e o resto é conversa.
Ninguém sabe o que vai acontecer ao menino. Com os dois é que não fica porque já andam zangados outra vez. Para já parece que fica com a mãe, que tem mais posses e sempre é mãe. O pai que o vá ver de vez em quando se quiser.
O problema foi o falatório da vizinhança. Uns falsos. No primeiro dia era tudo a dizer que o menino era muito bonito, muito perfeitinho, que tinha vindo na hora certa e isto e aquilo. Depois começaram os mechericos: é feio, não tem braço, é magrinho, foi feito às escondidas, eu sei lá. Uns que sai ao pai. Outros que sai à mãe. E vai dai que a D.ª Socialista começou logo a dizer que o Sr. Democrata era o pai porque tinha de haver pai, porque para ela o menino é dela e ela é que teve a ideia, e ela é que isto, e ela é que aquilo e ela é que tudo. Pensam que o Sr. Democrata se chateou? É o chateias! O que ele queria era mostrar à vizinhança que quando quiser papar a D.ª Socialista é só estalar o dedo. O menino que se lixe. Ela que o ature.
O meu medo é esse. É que ela agora começe a ficar deprimida e não seja capaz de tratar do menino como deve ser. Que se ponha para aí de cabeça perdida a chorar pelos cantos ou a pensar noutras coisas. Ou a pensar que o pai vai dar uma ajuda. É bem feita. Não o fizesse. Nesse caso que o vá entregar ao padrinho e ele que se amanhe.
Queira deus que eu me engane.
edit post

Comments

0 Response to 'Do pacto prematuro à depressão pós-pacto'