Sempre que as televisões têm de ilustrar indiferenciadamente a burocracia no Estado é-nos oferecida uma perspectiva das secretarias judiciais. Não é, obviamente, por acaso. Desaparecidos os velhos cartórios notariais e as antigas conservatórias dos registos que jaziam esquecidas em instalações decrépitas, as secretarias dos tribunais, com os seus enormes balcões, as paredes forradas até ao tecto com pilhas dos grossos volumes que compõem os processos, por entre os quais se divisam vários funcionários em reduzidíssimo espaço, são bem a imagem da antiga repartição pública. Como lugares que deveriam ser espaços de cidadania, as secretarias judiciais parecem, porém, pensadas para se mostrarem ostensivamente inóspitas e a sua aparência sugere decrepitude e falta de organização. Além de tudo isso, ou talvez também por isso, as secretarias judiciais estão certamente entre as mais caras unidades funcionais administrativas do Estado.
Já aqui escrevi sobre o que estimo ser a necessidade urgente de percebermos que para mudar a justiça há que sacrificar primeiro a ideia de que bastam comissões de juristas e a edição do Diário da República. Além de novos sistemas alternativos e complementares, de uma diferente participação cívica, de novos modelos organizativos, de uma outra cultura de responsabilidade dos agentes públicos da justiça (incluindo naturalmente os magistrados), de novos meios e de diferentes recursos humanos e materiais, é ainda necessário empreender uma radical reengenharia de processos e procedimentos. Reengenharia que mate e enterre o paradigma oitocentista com que insistimos em viver no século XXI, com a sua índole epistolar e lógica formalista, plasmada em códigos processuais que são obras para uma ilusória harmonia perfeita de actos e prazos sucessivos, estribada na suposição de que só existiria um único processo de cada vez, para um só juiz e sua secretaria judicial, a ele dedicados em exclusividade. Nessa reengenharia os processos ganharão uma feição audiovisual e o papel será dispensado.
Aí chegados, as secretarias judiciais, esvaziadas daqueles grossos volumes, estarão transfiguradas. Com a redução de necessidades funcionais, vai ser muito menor o número de pessoas empregues, como diferente vai até ser a arquitectura dos espaços judiciais. Então, também será outra a gestão e a organização dos tribunais, dos órgãos de investigação criminal e dos restantes serviços da justiça.
Não ouso imaginar quanto tardaremos na iniciativa de avançar, nem me atrevo a antever se o próprio processo de mudança demorará anos, décadas ou ainda mais. Tenho, todavia, a ideia de que, com vontade política, podíamos começar já a experimentar algumas novidades futuras e que, por mais chocante que pareça, até podíamos ensaiar modalidades de outsorcing, entregando a prestadores de serviços especializados a gestão integral de algumas secretarias judiciais, comparando soluções, capacidade de desempenho e resultados económico-financeiros.
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