A magistrada Maria José Morgado alertou hoje que a procura dos negócios do Estado e dos mercados de serviços públicos constitui a "questão mais sensível e grave da grande corrupção moderna".
A procuradora-geral adjunta falava durante o colóquio internacional "Combate à Corrupção, Prioridade da Democracia", organizado pelo presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, e que conta com a participação do conhecido juiz espanhol Baltazar Garzón.
Num painel sobre "Corrupção global e a nova justiça penal", Maria José Morgado enfatizou que "a globalização acentuou os riscos da corrupção para níveis epidémicos" e apontou sete características principais da corrupção grave e da criminalidade associada, sendo uma delas a "corrupção e a captura das funções do Estado".
Neste capítulo em que indicou a apetência da corrupção pelos serviços e negócios do Estado, a magistrada notou que "em Portugal, estas práticas corruptivas giram insistentemente em torno do mercado de obras públicas, da gestão urbanística, da atribuição de subsídios públicos, das adjudicações e empreitadas de obras públicas, entre outras actividades".
"Elas têm um efeito bumerangue: têm origem nas más práticas e na debilidade das instituições e provocam ainda pior governo, maior debilidade e maior pobreza", observou.
"Corrupção e Crime Organizado Transnacional", "Corrupção e Branqueamento de Capitais", "Corrupção e Uso das Estruturas de Negócios Lícitos", "Corrupção/ Sofisticação e Uso das Tecnologias de Informação", "Corrupção e Dimensão Social dos Crimes" e "Carácter Velado, Indirecto, Opacidade Máximas das Condutas a Investigar" foram outras das características da corrupção apontadas pela magistrada.
Relativamente ao branqueamento de capitais, que constitui uma "peça vital da sobrevivência do crime organizado e da própria corrupção", Maria José Morgado advertiu que "sem seguimento, detecção e confisco das vantagens das práticas corruptivas não há prevenção ou repressão eficaz".
"Esta é a lição deixada por Giovanni Falcone: é necessário fazer pontaria ao núcleo económico das organizações criminosas, fazendo com que as suas actividades deixem de ser rentáveis".
No domínio do crime organizado, mencionou que os grupos organizados usam a corrupção para "alcançar a impunidade", já que "a corrupção faz com que as práticas criminosas permaneçam intactas, fora do alcance da repressão".
A magistrada alertou ainda para o fenómeno da "empresarialização da corrupção", pois esta não se desenvolve apenas num submundo "subterrâneo", mas engendra "negócios aparentemente legais".
"Estas novas características da corrupção, do crime económico, do branqueamento de capitais, marcadas pela organização, mobilidade e invisibilidade, estão no centro de novos dilemas de política criminal", sublinhou, propondo sete "medidas urgentes" nesse campo.
Uma delas aponta para a criação de "unidades anti- mafia", a par da independência, especialização e meios técnicos ao dispor dos magistrados e polícias encarregados da prevenção e repressão deste tipo de crime.
Métodos especiais de recolha de prova (nomeadamente a protecção dos denunciantes) adequadas e proporcionais às ameaças existentes e a abolição da distinção entre corrupção para acto lícito e corrupção para acto ilícito foram outras propostas da magistrada.
Abolição do segredo bancário como mecanismo importante de prevenção da evasão fiscal e da corrupção, bem como medidas de efectivo controlo do património das personalidades expostas politicamente, foram outras sugestões da directora do Departamento de Investigação Penal (DIAP) de Lisboa e coordenadora da investigação a todos os processos do caso Apito Dourado/corrupção no futebol português.
Outra das soluções seria a "organização de uma espécie de rede judiciária nacional contra a corrupção", providenciando uma ligação operacional permanente entre o Ministério Público e a PJ.
Sem deslumbramentos, a magistrada notou que na luta contra a corrupção a questão não é "o desaparecimento impossível da corrupção, mas o controlo, a diminuição das oportunidades".
Antes e no início da sua intervenção, citou Terry Davis, secretário-geral do Conselho da Europa, quando no plenário do GRECO (Dezembro 2006) disse que a "corrupção está para a democracia como uma gripe está para o corpo humano.
"Corremos todos esse risco e não há protecção a 100 por cento. As suas consequências variam desde as disfunções temporárias, até mesmo aos casos fatais", disse, citando ainda Terry davis.
In RTP
edit post

Comments

0 Response to 'Procura dos negócios Estado é questão mais sensível, afirma M.José Morgado'